O Silêncio das Ostras: Filme mineiro emociona e denuncia os impactos humanos da mineração

Kaylane nasceu em uma vila operária de mineração e aprendeu cedo a perder. Perdeu irmãos, vizinhos, raízes. Cresce em silêncio, entre lama e poeira, e resiste como pode — com seus olhos curiosos, com sua relação poética com a natureza, com sua insistência em existir.

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Foto: Reprodução/ Cred Olhar Filmes

Na tela, a poeira parece não assentar. A lama não seca. As palavras quase não saem — e talvez por isso o silêncio diga tanto. Em O Silêncio das Ostras, primeiro longa de ficção do premiado documentarista Marcos Pimentel, a tragédia de Brumadinho deixa de ser manchete e se transforma em carne, memória e ferida aberta. O filme estreou com aclamação no 26º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro e chega agora aos cinemas de todo o Brasil como uma das obras mais urgentes, sensíveis e necessárias do nosso tempo.

Narrado pelos olhos da pequena Kaylane (vivida com delicadeza por Lavínia Castelari), o filme não traz heróis nem respostas fáceis. Apenas sobreviventes. Gente comum, como tantas que vivem (ou sobrevivem) nas sombras da mineração em Minas Gerais. Kaylane nasceu e cresceu em um vilarejo de operários onde a paisagem é seca, o tempo é pesado e os sonhos… enterrados. À sua volta, o pai, silenciado por anos de trabalho insalubre; a mãe Cleude (Sinara Telles), exausta de carregar nas costas os cacos de uma vida que a mineração não poupou.

Entre perdas sucessivas, Kaylane aprende cedo a conviver com a despedida. Cresce sozinha, cercada por irmãos que seguem o mesmo destino dos pais, e encontra nos insetos e na natureza — o que ainda resta dela — sua forma de entender o mundo. Há um lirismo estranho e profundo nisso tudo. O filme nos convida a ver pelos olhos dela, a sentir por dentro aquilo que a terra parece gritar, mas ninguém escuta.

“O filme nasceu do desejo de revisitar lugares que foram esvaziados. A mineração não extraiu só o minério — arrancou também a alma dessas comunidades”, conta o diretor Marcos Pimentel. A ficção ganha ainda mais força quando entrelaçada a imagens reais dos rompimentos de barragens, como os de Fundão (2015) e Brumadinho (2019), tragédias que mataram centenas, destruíram ecossistemas e deixaram marcas que seguem pulsando — invisíveis para muitos, mas ainda muito vivas para quem ficou.

O Silêncio das Ostras não é um filme sobre o passado. É sobre o presente que insiste em não mudar. É sobre o cotidiano de quem viu a água virar lama, os vizinhos virarem nomes em placas e os sonhos virarem silêncio. “Retratamos uma dor que ainda é real”, reforça Pimentel.

Mais do que denúncia, o longa é um manifesto poético. Uma tentativa de reocupar os vazios — geográficos e afetivos — deixados pelas mineradoras. A trilha é o silêncio, mas a imagem fala. E como fala.

Foto: Reprodução/ Cred Olhar Filmes

A beleza que resiste

A fotografia do filme aposta em tons ocres, quase sem vida, que contrastam com a imaginação fértil de Kaylane. Ali onde tudo parece morto, ela encontra beleza. Onde muitos já não enxergam saída, ela ainda procura caminhos. Há uma doçura trágica nisso. Uma força que emociona.

Com atuações marcantes de Bárbara Colen, Lavínia Castelari, Sinara Telles e um elenco profundamente comprometido com a verdade da história, o filme transforma um cenário devastado em palco de resistência emocional. É sobre crescer no meio do fim do mundo. E, ainda assim, sonhar.

Estreia nacional

Além de Belo Horizonte, O Silêncio das Ostras entra em cartaz esta semana em diversas capitais e cidades brasileiras, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza, Curitiba, Brasília, Manaus, Belém, Vitória, Londrina e Sorocaba.

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