
Com estreia marcada para 31 de julho, o novo filme de Bernard Lessa mistura política, afeto e pertencimento ao contar a jornada de um médico cubano deslocado no Brasil. O longa teve sua estreia na abertura do Festival de Vitória e já deixou claro: é um daqueles filmes que ficam ecoando depois dos créditos finais.
Por trás de cada deserto existe uma travessia — geográfica, emocional ou política. Em O Deserto de Akin, o que se atravessa é o Brasil, mas também os afetos, os silêncios e as fronteiras entre quem chega e quem já está à deriva. Com direção do capixaba Bernard Lessa, o filme chega aos cinemas em 31 de julho, depois de uma estreia de prestígio na abertura do 32º Festival de Vitória, onde concorre na categoria de Melhor Longa Nacional.
A história acompanha Akin, médico cubano vivido pelo premiado Reynier Morales (vencedor de Melhor Ator no Festival do Rio 2024), que desembarca em uma comunidade indígena no Espírito Santo como parte do (agora extinto) programa Mais Médicos. Mas o filme não se limita à função profissional. Akin é um estrangeiro num país à beira do colapso político e afetivo — e o que ele encontra aqui não são só pacientes, mas um espelho: do próprio deslocamento, da solidão e do desejo de se enraizar.O Deserto de Akin
Um filme sobre acolhimento — e suas rachaduras
Durante sua permanência, Akin é acolhido por Érica (Ana Flavia Cavalcanti) e Sérgio (Guga Patriota), dois brasileiros que também carregam suas próprias lacunas, memórias partidas e zonas de silêncio. Não é romance, necessariamente. É algo mais tênue, mais humano. Talvez amizade, talvez afeto suspenso, talvez uma tentativa de pertencimento compartilhado entre quem já não sabe onde — ou com quem — está.
O filme, no fundo, é sobre isso: sobre encontros possíveis em tempos difíceis. E sobre como, às vezes, o gesto de permanecer é um ato de resistência. Entre consultas médicas, caminhadas na mata e conversas atravessadas pelo idioma e pela hesitação, O Deserto de Akin constrói um retrato silencioso e delicado de uma experiência real vivida por centenas de profissionais estrangeiros que atuaram no Brasil — e que, com a mudança de governo em 2018, viram seus contratos encerrados de forma abrupta, em um cenário que flertava com xenofobia institucional.

Do Espírito Santo para o mundo: paisagens, corpos e política
Rodado entre Nova Almeida, Aracruz, Vitória e Vila Velha, o filme valoriza os cenários capixabas com uma fotografia que mistura rusticidade e lirismo. Mas, acima de tudo, valoriza os rostos. Os corpos em trânsito. As vozes contidas. A atuação de Morales impressiona justamente pela contenção — ele diz muito com o olhar, com a hesitação no português, com o desconforto de quem precisa se adaptar sem ser convidado.
Já Ana Flavia Cavalcanti entrega mais uma performance potente e ao mesmo tempo terna. Érica é uma mulher com dores acumuladas, mas que oferece espaço. E esse gesto, no filme, tem um peso enorme: acolher alguém, mesmo com medo, é também se permitir ser transformado.
No elenco ainda estão Welket Bungué (A Viagem de Pedro) e Patricia Galleto, ampliando a dimensão humana da narrativa com presenças igualmente marcantes.
A estética de um cinema que observa mais do que grita
Bernard Lessa já vinha se destacando por filmes como A Mulher e o Rio (2019) e A Matéria Noturna (2021), premiado no Festival de Brasília. Mas em O Deserto de Akin, ele talvez tenha encontrado seu filme mais maduro. Há uma calma no olhar — mas uma calma inquieta, que observa as rachaduras das instituições, a falência das promessas políticas, e a força dos pequenos gestos de cuidado.
















