Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá estreia nos cinemas com reencontro emocionante e um retrato profundo da resistência indígena

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Foto: Reprodução/ Internet

Após emocionar o público em uma sessão lotada no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, no Rio de Janeiro, o documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá estreia nesta quinta-feira (11) nos cinemas brasileiros. Mais do que um filme, ele é um reencontro histórico, uma cura familiar e um poderoso gesto de cinema feito por e para povos originários.

A produção entra em cartaz em 13 cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Vitória, Brasília, João Pessoa, Fortaleza, Maceió, Poços de Caldas, Balneário Camboriú e outras, com distribuição da Embaúba Filmes. E chega cercada de afeto, memória e ancestralidade.

Uma história interrompida pela ditadura — e religada pelo afeto

Nos anos 1960, em pleno regime militar, Luiz Kaiowá, indígena guarani kaiowá, deixou sua terra natal em Mato Grosso do Sul com outros parentes. Passaram por São Paulo, Rio de Janeiro… até que foram levados à força por agentes da Funai até Minas Gerais. Lá, Luiz viveu mais de 15 anos entre os Tikmũ’ũn (Maxakali), onde teve duas filhas: Maiza e Sueli.

Mas a história tomou um rumo abrupto quando, ainda com Sueli nos braços, Luiz foi transferido de volta ao Mato Grosso do Sul. Ele nunca mais voltou. Sueli cresceu sem o pai — e com perguntas que só o tempo, a política e a força da ancestralidade poderiam responder.

Décadas depois, em tempos de internet nas aldeias e articulação indígena crescente, Sueli reencontra o pai. E decide transformar esse gesto em algo maior: um filme ritual, um documento afetivo, uma travessia entre povos e tempos.

Quando o cinema vira reencontro — e também resistência

Co-dirigido por Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna, o filme acompanha os preparativos, trocas e emoções de Sueli antes de finalmente reencontrar o pai, hoje um dos mais respeitados xamãs guarani kaiowá.

Não se trata apenas de uma biografia. O filme é tecido com línguas indígenas, cantos cerimoniais, silêncios cheios de sentido e imagens que respeitam o tempo da escuta. Filmado em territórios maxakali e guarani kaiowá, o longa traz o cotidiano das aldeias, suas lutas, seus encantados e suas formas de resistir ao apagamento histórico.

A diretora Sueli resume: “Não é só um filme. São nossos encantados, nossos rituais, que dão a força para chegar até aqui.”

Uma produção coletiva, viva e ancestral

O filme não se faz apenas com câmeras: ele se constrói com coletividade, fé e tempo. A equipe envolve outros cineastas indígenas como Alexandre Maxakali, responsável pela fotografia, e as guarani kaiowá Michele e Daniela Kaiowá, que assinam direção assistente e direção de fotografia.

Toda a obra é falada em maxakali, guarani kaiowá e português, costurando línguas como se fossem fios de um tecido que reconecta histórias e culturas separadas à força. Antes do reencontro físico, vieram vídeo-cartas, telefonemas e trocas digitais entre Sueli e Luiz. Só em 2022 uma delegação pôde percorrer os mais de 1800 km até as terras indígenas no Mato Grosso do Sul para esse abraço que virou cinema.

Reconhecimento da crítica e dos festivais

O longa-metragem teve estreia consagrada no 57º Festival de Cinema de Brasília, onde levou o prêmio de Melhor Direção. Também passou pela Mostra de Cinema de Tiradentes, pelo Festival de Cachoeira e pela Mostra Ecofalante, onde recebeu menção honrosa do júri.

A crítica especializada tem elogiado não só a potência do tema, mas também a forma como ele é tratado. O Coletivo Crítico chamou o filme de “porta-retrato de uma história familiar construído diante de nossos olhos”, enquanto o Papo de Cinema destacou que o longa marca “uma tendência positiva do cinema brasileiro recente: histórias de alto valor contadas por quem as viveu, com sensibilidade e autonomia.”

Um abraço filmado, um ato de cura

Em tempos em que o Brasil redescute sua memória e o cinema brasileiro busca narrativas mais diversas e honestas, Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá surge como uma joia rara. Ele não fala por povos indígenas — ele fala com e a partir deles.

Entre encontros adiados, câmeras ligadas e cantos ancestrais, o que vemos é mais do que um filme: é um abraço que resistiu ao tempo, à política e ao esquecimento. E que agora pode ser compartilhado com o mundo inteiro.

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