“O Retorno” | Ralph Fiennes e Juliette Binoche vivem drama épico e visceral na releitura sombria da Odisseia

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Imagine Odisseu não como o herói invencível da mitologia grega, mas como um homem esgotado, marcado por duas décadas de guerras, ausências e arrependimentos. Assim é “O Retorno”, drama épico dirigido por Uberto Pasolini, que estreia nos cinemas brasileiros em 4 de setembro, com distribuição da O2 Play. Estrelado por Ralph Fiennes e Juliette Binoche, o longa é uma releitura sóbria e profundamente emocional da última parte da Odisseia, clássico de Homero — agora sem criaturas mitológicas, mas com muita humanidade à flor da pele.

Após estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) em 2024, o filme marca o reencontro histórico de Fiennes e Binoche quase três décadas após o clássico “O Paciente Inglês”, vencedor do Oscar. Na nova produção, os dois mergulham em personagens complexos, carregados de perdas, silêncios e escolhas que moldaram o destino de uma família e de um reino.

Um herói despido da mitologia

O longa recusa a grandiosidade típica das adaptações de Homero. O que vemos é um Odisseu envelhecido, irreconhecível até para os seus, que chega à ilha de Ítaca como um náufrago de si mesmo, nu na areia, mais espectro do que homem. A direção de Pasolini opta por retratar o herói sem glória, mas com profundidade — um soldado marcado pelas feridas da guerra e pela dor do tempo perdido.

O roteiro, assinado por Edward Bond e John Collee, opta por uma abordagem intimista: sem deuses, sem monstros, sem milagres. Apenas as consequências humanas de duas décadas de guerra e ausência. A câmera se aproxima mais das expressões do que dos combates, dando protagonismo ao que arde por dentro.

Penélope: a fortaleza silenciosa

Juliette Binoche interpreta Penélope com a gravidade de quem segurou um império em ruínas com as próprias mãos. Pressionada por pretendentes que querem ocupar o trono deixado vago, ela se mantém firme, tecendo a mortalha do sogro como forma de adiar uma decisão inevitável. Sua resistência é feita de gestos sutis, de escolhas simbólicas, de uma fé silenciosa na volta de um homem que o mundo já deu como morto.

A relação entre Penélope e Odisseu, quando finalmente se reencontram, não é marcada por explosões emocionais, mas por camadas de ressentimento, saudade e reconhecimento tardio. Binoche oferece uma atuação contida e poderosa, equilibrando dor e dignidade.

Telêmaco: entre o pai ausente e o presente desmoronando

Charlie Plummer dá vida a Telêmaco, o filho deixado para trás, agora um jovem dividido entre o dever e a mágoa. Ao reencontrar o pai, não há idealização: há confronto, mágoa e cobranças. A juventude de Telêmaco é atravessada pelo peso de um legado que ele não pediu, e por uma ausência que moldou sua identidade.

Sua trajetória no filme é tanto uma busca por pertencimento quanto uma libertação. No fim, é ele quem decide partir, não como fuga, mas como uma afirmação: o ciclo precisa ser quebrado.

Um drama visualmente sóbrio e emocionalmente denso

Rodado em locações na Grécia e na Itália, especialmente em Corfu e no Peloponeso, o filme possui uma fotografia elegante, mas jamais espalhafatosa. O cenário natural dialoga com o tom melancólico da narrativa. Os silêncios pesam, e a trilha sonora composta por Rachel Portman (executada pela Roma Film Orchestra) reforça a carga emocional com delicadeza.

Diferente de outras adaptações que apostam no espetáculo, O Retorno aposta na crueza da experiência humana, em olhares que dizem mais que palavras, em mãos calejadas que carregam o passado como cicatriz.

Sangue, vingança e esgotamento

A sequência do arco — famosa na Odisseia — ganha uma roupagem mais sombria e visceral. Odisseu, disfarçado, vence os pretendentes em um desafio de arco e flecha, revelando sua identidade. Em seguida, o massacre. Flechas voam, portas se fecham, a vingança se cumpre. Mas não há catarse.

O pedido de Penélope para que seu filho poupe Antínoo, o mais violento dos pretendentes, é ignorado. Telêmaco o mata, e sua mãe, horrorizada, percebe que o retorno não trouxe paz — apenas mais morte. A violência que Odisseu tentou deixar para trás o seguiu até em casa.

Bastidores de um projeto sonhado por décadas

O diretor Uberto Pasolini planejava adaptar a Odisseia há mais de 30 anos. Em 2022, finalmente tirou o projeto do papel com produção internacional envolvendo Itália, Grécia, Reino Unido e França. O orçamento de US$ 20 milhões é modesto para um épico, mas usado com precisão e sobriedade. A estreia nos Estados Unidos aconteceu em dezembro de 2024, com lançamento no Reino Unido em abril de 2025.

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