
Nesta quarta-feira, 23 de julho de 2025, a Sessão da Tarde reserva um daqueles filmes que não apenas ocupam a tela — eles a transcendem. A História de Mahalia Jackson é mais que um drama biográfico. É um convite à alma. Um retrato poderoso de uma mulher que usou sua voz para muito além da música, se tornando símbolo de fé, resistência e esperança em meio à dura realidade da segregação racial nos Estados Unidos.
Estrelado pela multipremiada cantora Ledisi, vencedora do GRAMMY, o filme não só emociona pela música, mas também pela força de sua protagonista. Mahalia Jackson não cantava apenas com a garganta — cantava com a alma, com cicatrizes e com sonhos.
Uma infância entre a dor e o destino
Nascida em Nova Orleans, Mahalia Jackson cresceu em uma América ainda profundamente marcada pela escravidão e racismo institucional. Órfã de mãe ainda criança, ela foi criada por sua tia Mahala (ou “Tia Duke”, como era chamada), uma mulher rígida, amarga e muitas vezes violenta. O filme mergulha nessa relação delicada, dando ao público um retrato honesto das dores que moldaram o coração e o canto de Mahalia.
Mas o que poderia ter sido o fim de muitos, foi o combustível dela. As feridas da infância não a destruíram — elas temperaram sua fé, fortaleceram sua identidade e inspiraram sua missão. A dor, para Mahalia, se transformava em hino. E a igreja foi o palco onde ela começou a espalhar sua luz.
Muito além da música: ativismo, fé e coragem
Ao longo da vida, Mahalia não se contentou em ser apenas uma cantora. Em tempos em que mulheres negras eram silenciadas, ela fez o contrário: cantou mais alto. Em um país dividido, sua música uniu. Sua amizade com o Dr. Martin Luther King Jr. não foi apenas simbólica. Ela esteve ao lado dele em alguns dos momentos mais cruciais do movimento pelos direitos civis nos EUA.
Na Marcha sobre Washington, em 1963, foi Mahalia quem, com sua voz, preparou o palco espiritual para o célebre discurso “I Have a Dream”. Sua fé não era só religiosa, era uma fé social, política e profundamente transformadora.
O filme retrata de forma emocionante essa jornada ao lado do líder ativista, com destaque para a atuação comovente de Columbus Short como Dr. King. A relação dos dois era construída sobre confiança, cumplicidade e esperança. Ela não era apenas uma voz de fundo. Era protagonista na luta pela dignidade do povo negro.
Ledisi: quando a intérprete se torna Mahalia
Se há uma escolha que eleva ainda mais o filme, é a escalação de Ledisi como Mahalia. A cantora não apenas interpreta — ela incorpora a essência da artista. Ledisi já havia vivido Mahalia no filme Selma (2014), mas aqui ela entrega uma performance completa, íntima, poderosa e comovente. É impossível não se emocionar quando sua voz toma conta da tela e atinge o coração do espectador.
Não é só atuação. É verdade. E talvez por isso ela tenha sido indicada ao NAACP Image Awards como Melhor Desempenho Inovador — uma indicação mais que justa. Quando canta “Precious Lord”, por exemplo, é impossível não sentir um arrepio que atravessa gerações.
Denise Dowse: um legado por trás das câmeras
A direção é de Denise Dowse, atriz veterana que aqui faz sua estreia e também seu último trabalho como diretora antes de falecer, em 2022. Há algo profundamente sensível na maneira como Dowse conduz a narrativa. Ela não dramatiza a dor gratuita, mas nos oferece momentos de humanidade, doçura e fé, mesmo nas situações mais amargas.
A diretora tem a sabedoria de dar espaço para que a música seja personagem principal. Em vez de interromper com discursos expositivos, ela permite que os hinos falem por si. E como falam! Cada performance é uma oração, um ato de resistência.
Do gospel às telas: um filme que ecoa esperança
Com participações de peso como Keith David, Janet Hubert, Corbin Bleu e Vanessa Williams, o filme também acerta ao retratar uma época complexa e dolorosa sem perder a poesia. A reconstituição de época, os figurinos e o cuidado com os diálogos nos transportam para uma América onde cantar era, para muitos, a única forma de sobreviver e afirmar sua existência.
Mahalia Jackson quebrou barreiras — não apenas musicais, mas raciais e espirituais. Ela abriu caminho para artistas como Aretha Franklin, Whitney Houston, e tantas outras vozes negras femininas que continuam a inspirar o mundo.
O que torna Mahalia eterna
Mais do que uma biografia, A História de Mahalia Jackson é um testemunho. Uma lembrança de que arte é instrumento de cura e que fé, quando aliada à coragem, pode mudar a história.
Mahalia Jackson faleceu em 1972, mas sua voz ainda ecoa. Ecoa em igrejas, em movimentos sociais, em playlists, e agora, nesta quarta-feira, na tela da TV Globo. Em tempos difíceis, revisitar sua trajetória é também um ato de reconexão com o que há de mais puro na humanidade: a capacidade de lutar por amor, justiça e dignidade com a força de uma canção.
Por que você não pode perder
Se você procura uma história que emociona, que inspira e que te faz levantar da poltrona acreditando em algo maior, A História de Mahalia Jackson é o filme certo. Ele toca, sim, em feridas — mas também oferece cura. E talvez seja exatamente disso que o mundo precise agora: lembrar que, mesmo diante do caos, ainda existem vozes como a de Mahalia que cantam esperança.
















