“Iracema” volta às telas: clássico censurado pela ditadura estreia restaurado em 4K em 13 estados do Brasil

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Quase cinco décadas após ter sido censurado e marginalizado pela ditadura militar, “Iracema – Uma Transa Amazônica”, clássico absoluto do cinema brasileiro dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna, volta a ocupar seu lugar de direito: a sala de cinema. Com estreia nacional marcada para esta quinta-feira, 24 de julho, a obra ganha agora uma versão restaurada em 4K, fruto de um trabalho técnico e histórico coordenado por Alice de Andrade, e será exibida em 13 estados do país, com distribuição da Gullane+.

Mais do que o resgate de uma obra-prima, o retorno de Iracema às telas é também uma reparação simbólica e um alerta ainda necessário. Em tempos de debates ambientais acalorados e memória histórica ameaçada, o filme se apresenta como um testemunho visual indispensável do Brasil dos anos 1970 — e do presente que ainda resiste em mudar.

Um Brasil ferido em 16 mm

Gravado originalmente em 16 mm, com um olhar quase documental sobre a construção da rodovia Transamazônica, o filme acompanha o percurso de Tião Brasil Grande (vivido por Paulo César Peréio), um caminhoneiro orgulhoso do “progresso” da estrada, e sua relação com Iracema (Edna de Cássia), uma adolescente indígena explorada como prostituta infantil.

Ao mesclar realidade e ficção, Iracema rompe com qualquer formato tradicional de narrativa. A câmera registra, em tempo real, o desmatamento voraz da floresta, a grilagem de terras, a exploração sexual de meninas, a devastação social. Não há metáforas nem suavizações. É o Brasil da ditadura sendo filmado por dentro, com todas as suas feridas abertas, enquanto ainda sangravam.

O choque visual e ético foi tão grande que o filme foi censurado por anos, acusado de “denegrir a imagem do Brasil” no auge do chamado “milagre econômico”. Mas era justamente essa a intenção dos cineastas: mostrar que o progresso vendido pelos militares era, na verdade, uma transa desigual — onde quem pagava a conta eram os mais vulneráveis.

Restauração: um gesto de memória e resistência

A restauração de Iracema – Uma Transa Amazônica não é apenas estética. É também política, ética, simbólica. Coordenada por Alice de Andrade, com apoio de instituições como o CTAV, a Cinemateca Brasileira, o Instituto Moreira Salles, a PUC-Rio, a Mnemosine e o Instituto Guimarães Rosa, o processo devolve ao filme a nitidez de suas cores e a força crua de suas imagens — que continuam, infelizmente, atuais.

Ver Iracema em 4K é redescobrir um cinema corajoso, comprometido, orgânico. Um cinema que não recua diante da realidade, por mais incômoda que ela seja.

Uma nova chance para um velho incômodo

Em tempos em que o país ainda discute direitos indígenas, políticas ambientais e as cicatrizes da ditadura, Iracema retorna como uma faca afiada cravada no presente. Mais do que memória, o filme é também profecia. Um lembrete incômodo do quanto o Brasil oficial ainda insiste em ignorar o Brasil real.

A presença da protagonista Edna de Cássia, uma atriz não profissional descoberta nas ruas de Fortaleza, dá ao longa um caráter cru, visceral, que poucos filmes ousaram tocar. Sua atuação, entre o improviso e a denúncia, é o coração de uma narrativa que não busca heróis, mas sim testemunhas.

Reconhecimento tardio, mas necessário

Apesar de censurado, Iracema colecionou prêmios e reconhecimento internacional. Foi destaque no Festival de Brasília de 1980, onde venceu quatro troféus, e mais recentemente brilhou em edições do Festival do Rio e do Festival de Berlim, já em sua versão restaurada. Também figura na lista da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

O retorno do longa aos cinemas representa mais que um relançamento: é a possibilidade de formar novas plateias, de mostrar aos jovens um Brasil que a história oficial tentou apagar — mas que resiste na arte, nos rolos de película, e agora nas telas de alta definição.

Onde assistir

Confira abaixo a lista de cinemas onde Iracema – Uma Transa Amazônica entra em cartaz a partir de quinta-feira (24/07):

Norte
📍 Belém (PA) – Cine Líbero Luxardo
📍 Manaus (AM) – Cine Casarão

Nordeste
📍 Recife (PE) – Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)
📍 Salvador (BA) – Cine Glauber Rocha
📍 Maceió (AL) – Centro Cultural Arte Pajuçara
📍 Aracaju (SE) – Cine Walmir Almeida
📍 Fortaleza (CE) – Cine Dragão do Mar

Sudeste
📍 São Paulo (SP) – Espaço Petrobras de Cinema (Rua Augusta), CineSala, Reserva Cultural, Instituto Moreira Salles (Av. Paulista), Cinesystem Belas Artes (Frei Caneca)
📍 Rio de Janeiro (RJ) – Estação NET Rio (Botafogo)
📍 Belo Horizonte (MG) – Una Cine Belas Artes e Minas Tênis Clube
📍 Poços de Caldas (MG) – Instituto Moreira Salles

Sul
📍 Porto Alegre (RS) – Cinemateca Paulo Amorim
📍 Curitiba (PR) – Cine Ritz / Cine Passeio

Centro-Oeste
📍 Brasília (DF) – Cine Cultura Liberty Mall

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