Amandha Lee revisita trajetória com arte, disciplina e superação em entrevista ao podcast “Que Não Saia Daqui”

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Foto: Reprodução/ Internet

“Eu estava sendo comida por formigas no pé, mas não queria sair de cena.”
Essa poderia ser apenas uma anedota curiosa dos bastidores da televisão. Mas, na voz serena e vibrante de Amandha Lee, torna-se um símbolo de entrega, foco e presença. A atriz, que marcou gerações com papéis densos e desafiadores, é a convidada do novo episódio do podcast Que Não Saia Daqui. E, ao longo da conversa, mais do que falar de personagens ou novelas, Amandha compartilha sua história com uma franqueza rara — e uma sensibilidade que atravessa a escuta.

Aos 47 anos, com quase quatro décadas de carreira, Amandha tem muito a contar. Mas não é da fama ou dos holofotes que ela fala com mais entusiasmo. É do processo. Das transformações invisíveis. Dos tombos que não viraram manchete. “A arte sempre me chamou para dentro. Me ensinou a escutar, a ter disciplina, a respeitar o silêncio”, diz, em tom contemplativo.

Das ruas de Copacabana ao palco da vida

Criada em Copacabana, bairro emblemático do Rio de Janeiro, Amandha foi uma criança elétrica — “espivitada”, como ela mesma diz — que encontrou no teatro um caminho para canalizar sua energia. Aos nove anos, começou a fazer aulas no tradicional Teatro Glauce Rocha. Foi ali que o palco se apresentou não como brincadeira, mas como destino.

“Minha mãe me colocou no teatro para eu gastar energia. Mas, sem saber, me deu um caminho para a vida”, conta.

Não demorou para que os testes, os papéis e os estudos se tornassem parte da rotina. Ainda adolescente, já entendia que atuar não era apenas interpretar personagens, mas mergulhar em emoções que muitas vezes ela ainda nem havia vivido. “Eu precisei amadurecer cedo. Porque a arte pede isso. Você se coloca no lugar do outro, e para isso precisa ter empatia, escuta, entrega.”

A cena que mudou tudo — e que quase ninguém viu

Um dos momentos mais emocionantes do episódio é quando Amandha revisita o dia em que tudo mudou. Durante as gravações de um episódio da série Carga Pesada, ela vivia Maria, uma mulher forte, do campo, conectada à terra. Em uma das cenas, ajoelhada no chão, começou a sentir formigas mordendo seus pés. Mas não parou.

“Eu entrei num estado de presença tão forte que nem sentia mais dor. Eu ouvi o ator com quem contracenava como nunca antes. Aquela foi a primeira vez que entendi o que era realmente estar em cena. E isso não tem volta.”

A cena não virou meme, não ganhou prêmio, não foi destaque na imprensa. Mas para Amandha, foi ali que ela se tornou atriz de verdade.

Entre o corpo e a personagem: o desafio de viver Margarida

Com o mesmo comprometimento visceral, ela aceitou um dos maiores desafios físicos de sua carreira ao interpretar Margarida, na novela Vidas em Jogo, da Record TV. A personagem passava por uma transformação corporal durante a trama. Amandha topou engordar 17 quilos sob supervisão médica — e depois emagrecer gradualmente, durante as gravações.

“Eu achei que ia ser tranquilo, porque sempre gostei de comer. Mas comer para engordar com qualidade e depois emagrecer com saúde exigiu uma disciplina absurda. Foi um processo de autoconhecimento e superação.”

Ela lembra que o corpo se tornou espelho da jornada interna da personagem. “Eu sentia a Margarida na carne. Literalmente. Cada cena era atravessada por essa vivência física. E foi doloroso, mas também muito libertador.”

A digitalização das novelas e o reencontro com o passado

O streaming, segundo a atriz, trouxe um presente inesperado: a chance de reencontrar o público — e ser descoberta por uma nova geração. “A arte tem essa coisa de resistir. De permanecer. E quando vejo jovens comentando cenas de A Casa das Sete Mulheres, fico emocionada. Porque aquilo foi feito com tanto amor, tanta entrega, e agora está vivo de novo.”

Amandha vê nesse movimento digital uma oportunidade rara de valorização da memória artística brasileira. “Temos um acervo riquíssimo. E hoje, com a internet, essas histórias não morrem. Elas se renovam. E isso é muito bonito.”

O esporte como refúgio e estrutura

Fora das câmeras, há quase uma década, Amandha se encontrou no triatlo. A corrida, a natação e o ciclismo entraram em sua rotina não como hobby, mas como um compromisso consigo mesma. “O esporte virou meu terapeuta. Quando tudo parecia fora do lugar, eu colocava o tênis e ia correr. E ali, as ideias se ajeitavam.”

O hábito virou filosofia de vida — e estendeu-se à sua família. Casada com um atleta, ela lembra com carinho do tempo em que levava os filhos de bicicleta para a escola. “Era nosso momento juntos. E eles cresceram vendo o esporte como parte da vida, não como obrigação.”

Ela reconhece que o esporte a ajudou a desenvolver algo essencial para a vida — e também para a arte: foco. “Sem foco, a gente se perde. E o esporte me ensinou a ter rotina, a respeitar limites, a persistir.”

Entre a leveza e a profundidade: um retrato raro de uma artista completa

A grandeza da entrevista não está nos feitos — que são muitos — mas na forma como Amandha fala de tudo isso: sem glamour excessivo, sem fórmulas prontas. Há algo profundamente humano na forma como ela compartilha suas vivências. É uma atriz que, mesmo com décadas de carreira, continua aberta ao aprendizado. É uma mulher que escolheu a consistência em vez da pressa. A verdade, em vez da performance.

“Eu continuo me reinventando todos os dias. E nem sempre é bonito. Mas é real.”

Essa autenticidade transforma o episódio de Que Não Saia Daqui em algo maior que uma entrevista. É um encontro. Com a artista, com a mulher, com a força que há em não desistir de si mesma.

Para ouvir com calma — e com o coração aberto

Em tempos de discursos acelerados e superficialidade, ouvir Amandha Lee é um sopro de profundidade. Uma lembrança de que resistir, cuidar do corpo, da mente e da arte é uma escolha diária. E que essa escolha pode, sim, ser feita com leveza — mas nunca sem coragem.

Ao fim da conversa, quando perguntada sobre o que a move, Amandha responde com simplicidade:

“Eu quero deixar alguma coisa boa. Se uma pessoa se sentir inspirada a cuidar de si, a voltar pra arte, a se reconectar com o corpo… já valeu.”

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