
Sabe aquela expressão “virar um só”? Normalmente usada por casais apaixonados, ela ganha um significado muito, mas muito mais literal — e grotesco — no novo filme de terror “Juntos”, que estreia nos cinemas brasileiros no dia 14 de agosto. Mas não se engane: essa não é uma história de amor comum. É uma viagem intensa, perturbadora e cheia de sangue sobre o que acontece quando duas pessoas decidem se manter unidas a qualquer custo. Mesmo que isso custe sua identidade, sua sanidade e… seus próprios corpos.

Protagonizado por Alison Brie (Glow, Bela Vingança) e Dave Franco (Anjos da Lei, Vizinhos), que também são casados na vida real, o filme brinca com a intimidade do casal para explorar o lado mais sombrio da convivência e da codependência emocional. O resultado é uma mistura entre romance torto e horror visceral, que já está dando o que falar desde sua estreia no Festival de Sundance.
Dirigido por Michael Shanks — que aqui faz sua estreia na direção de longas — a trama de terror chega ao Brasil pelas mãos da Diamond Films, e se você é fã do gênero, essa história vai colar na sua cabeça. Literalmente.
Quando o amor não basta (e vira dor)
A premissa do filme parece simples: Millie, uma professora de inglês, e Tim, um músico tentando manter a carreira viva, deixam a cidade grande para começar uma nova vida no interior. É aquela ideia clássica do recomeço, da esperança de que a calmaria do campo vai salvar uma relação que já não anda lá essas coisas.
Mas o que deveria ser um novo capítulo se transforma em um conto grotesco de horror e confusão emocional. Logo nos primeiros dias, o casal se envolve em um acidente bizarro: caem em uma caverna durante uma tempestade e acordam com as pernas coladas por uma substância grudenta. Estranho? Sim. Mas só o começo.
Tim começa a agir de forma estranha, se sentindo atraído por Millie de maneira quase incontrolável, mesmo após um longo tempo de distanciamento entre eles. E quanto mais tentam retomar a normalidade, mais o corpo deles insiste em… fundir. Isso mesmo: pele com pele, os dois passam a literalmente se colar um ao outro. E o que deveria ser uma relação amorosa se transforma em algo quase parasitário.
Um filme que te suga para dentro da intimidade (e do caos)
É impossível assistir a produção americana sem se sentir desconfortável. Mas esse desconforto não vem só do sangue, das cenas de fusão corporal ou das imagens grotescas que povoam a tela. Ele vem, principalmente, do que o filme diz sobre nós, sobre a forma como amamos, e sobre a dificuldade de encontrar um equilíbrio entre estar com alguém e ainda ser você mesmo.
Ao colocar Alison Brie e Dave Franco no centro dessa história, o diretor não só aproveita a química real entre eles, mas também testa seus limites emocionais. A intimidade dos dois transborda para a tela, o que torna tudo ainda mais incômodo — especialmente quando eles estão tentando desesperadamente se desgrudar, com serras, gritos, lágrimas e tudo o mais.
Mais do que um filme de monstros, a obra é um filme sobre os monstros internos que criamos quando negligenciamos quem somos por causa de quem amamos.
Jamie, o vizinho bizarro e o culto da “unificação”
Nem só de Tim e Millie vive o filme. O personagem Jamie, interpretado pelo sempre surpreendente Damon Herriman, entra em cena como o vizinho que recebe o casal na nova cidade. Mas Jamie guarda segredos — e não são pequenos. A certa altura, ele revela ser fruto de uma fusão entre dois homens apaixonados que participaram de um estranho ritual naquela mesma caverna.
A revelação joga uma nova luz sobre tudo o que está acontecendo com o casal. E a coisa fica ainda mais sinistra quando Jamie começa a pressionar Millie a “completar o processo” com Tim. Afinal, segundo ele, é na fusão completa que reside o verdadeiro amor. Ou seria o verdadeiro fim?
O horror simbólico se torna literal. O amor que cola, que sufoca, que derrete identidades até sobrar apenas uma coisa nova, indefinida. Algo nem humano, nem completamente consciente — apenas um corpo, um amálgama.
Quando a intimidade vira prisão
Um dos pontos mais poderosos do filme é como ele trata a sexualidade. Em um momento especialmente desconcertante, Tim e Millie fazem sexo e acabam ficando colados pelas genitálias. Sim, a cena é tão bizarra quanto parece. E é justamente essa bizarrice que faz o espectador se questionar: até onde a fusão é consentida? Onde termina o desejo e começa a violência emocional?
Millie, inicialmente disposta a fazer o relacionamento funcionar, começa a perceber que está se perdendo nesse processo. Tim, por sua vez, flutua entre o desespero e o desejo de união, como se o trauma e a culpa o empurrassem para esse fim inevitável.
A direção cuidadosa de Michael Shanks não deixa espaço para interpretações simplistas. Tudo é ambíguo, desconfortável e emocionalmente complexo. O terror aqui não está só no grotesco físico, mas na fragilidade dos laços que nos unem — e na força brutal com que eles podem nos destruir.
Crítica social, terror e uma dança ao som de “2 Become 1”
A cena final do filme é, ao mesmo tempo, absurda e profundamente simbólica. Tim tenta se sacrificar cortando a própria garganta para impedir que Millie acabe como ele. Mas é tarde demais. Ferida, sangrando e emocionalmente dilacerada, ela aceita que talvez o único caminho possível seja a fusão.
E então eles dançam. Juntos. Ao som de “2 Become 1”, das Spice Girls. Sim, você leu certo. Uma balada pop dos anos 90 embala a união final desse casal em ruínas — agora, literalmente, um só ser.
É grotesco? Sim. Mas também é triste, bonito e melancólico. O que começa como um filme de terror termina como uma tragédia romântica corporal — um lembrete de que nem sempre o amor nos completa. Às vezes, ele nos consome.
Recepção explosiva e prestígio nos festivais
O longa-metragem estreou em janeiro no Festival de Sundance e imediatamente virou queridinho da crítica e do público. Com 98% de aprovação no Rotten Tomatoes e uma das maiores vendas do festival (a distribuidora Neon desembolsou US$ 17 milhões pelos direitos), o filme já chegou com status de “cult instantâneo”.
No Brasil, a Diamond Films aposta alto no lançamento, promovendo trailers legendados e dublados, pôsteres variados e uma estratégia que foca no público que gosta de terror com profundidade — tipo Jordan Peele encontra Cronenberg.
JUNTOS — ou solitários?
No fim das contas, o maior terror de Together talvez não seja o gore, o sangue ou os corpos derretendo um no outro. Talvez o pior seja a pergunta que o filme deixa no ar: estamos amando alguém… ou apenas tentando preencher um vazio nosso? Até onde vai a conexão e onde começa a destruição?
Se você já viveu um relacionamento onde sentiu que estava desaparecendo, onde sua identidade se perdeu em nome de uma convivência “em paz”, este filme vai te tocar fundo. E, talvez, te fazer repensar o que realmente significa estar — ou querer estar — junto.
















