
O universo encantado criado por Íris Abravanel para o SBT pode não resistir à realidade fria dos números. A novela A Caverna Encantada, lançada com pompa e expectativa no fim de julho, já corre o risco de sair do ar antes do previsto. Envolta em fantasia, personagens mágicos e uma produção considerada ousada para os padrões da dramaturgia infantil da emissora, a trama não conseguiu encantar o público como se esperava — e agora, enfrenta um possível encerramento precoce.
Segundo apuração do jornalista Gabriel de Oliveira, do jornal O Dia, a cúpula do SBT já iniciou conversas com a Disney, parceira na coprodução da novela, para negociar a antecipação do fim da exibição, inicialmente marcado para 5 de setembro. Fontes ligadas ao canal relatam bastidores tensos, incertezas nos roteiros futuros e um sentimento de frustração entre elenco e equipe técnica.
Uma aposta alta, um voo curto
A novela estreou com a promessa de renovar o fôlego da dramaturgia infantojuvenil do SBT — gênero que, por muitos anos, garantiu bons índices de audiência ao canal, com títulos como Carrossel (2012), Chiquititas (2013) e As Aventuras de Poliana (2018). A nova novela trazia a assinatura já consolidada de Íris Abravanel, direção de Ricardo Mantoanelli e um acordo estratégico com a Disney, o que sinalizava ambições além do público nacional.
Porém, desde a estreia em 29 de julho, os números foram decepcionantes. Na Grande São Paulo, a audiência inicial girou em torno de 3,6 pontos — abaixo da média para o horário nobre. Após uma tentativa frustrada de fixar a novela às 21h, o SBT mudou sua estratégia: empurrou a produção para o horário das 13h45 e, depois, para às 17h, em pleno período de férias escolares. Nenhuma dessas faixas gerou reação significativa. Em muitas tardes, a novela não superou os 2 pontos.
Uma caverna mágica, mas complexa demais?
Diferente das novelas anteriores do SBT, a produção investiu em uma narrativa mais densa e carregada de elementos simbólicos. A protagonista Anna Salvatore (vivida por Mel Summers), é uma garotinha entregue por seu pai missionário a um misterioso colégio interno chamado Rosa dos Ventos. Ali, ela descobre segredos escondidos em uma caverna proibida, criaturas fantásticas e um sistema interno de poder controlado pela temida diretora Norma (Clarice Niskier).
Com clara inspiração em obras da literatura clássica, como O Jardim Secreto e A Princesinha, a novela apostou numa ambientação europeia, figurinos de época, mistérios e temas como abandono, luto, resistência e amizade. Tudo isso envolto em uma aura de magia discreta e alegorias — diamantes falantes, animais que guiam os alunos, conspirações no corpo docente.
Mas talvez a complexidade do enredo tenha se tornado um problema. Segundo especialistas em televisão, a novela acabou não se comunicando com clareza com seu público-alvo: crianças e pré-adolescentes acostumados a tramas mais diretas e contemporâneas. O visual elegante e a mitologia rica da história não bastaram para segurar a atenção dos pequenos, principalmente diante da concorrência de conteúdos curtos, interativos e mais imediatistas nas plataformas digitais.
Recuo em cadeia: prejuízo criativo e comercial
Nos bastidores da emissora, o clima é de apreensão. A novela mobilizou um orçamento elevado para os padrões do canal, contou com nomes experientes no elenco — como Rosi Campos, Miguel Coelho, Isabela Souza, Wallentina Bomfim e Giulia Nassa — e envolveu meses de produção, inclusive com consultorias internacionais vindas da Disney para alinhar a narrativa a possíveis desdobramentos em outros mercados. Com o desempenho comercial também abaixo do esperado, patrocinadores que apostaram na trama já teriam sinalizado desconforto. Produtos licenciados, como brinquedos e livros baseados na história, chegaram a ser planejados, mas agora estão sendo revistos.
O papel de Daniela Beyruti
Com o retorno de Daniela Beyruti à liderança artística do SBT, todas as produções estão sendo reavaliadas com rigor. Conhecida por sua postura prática e por buscar eficiência tanto criativa quanto comercial, Daniela tem nas mãos a difícil decisão de manter ou encurtar a exibição da novela.
Segundo fontes próximas à executiva, duas versões de roteiro já estão sendo consideradas: uma que leva a novela até setembro com um desfecho mais elaborado, e outra que antecipa o encerramento com um final simbólico e mais aberto. Ambas dependem de um sinal verde da Disney — que, até o momento, preferiu não se pronunciar sobre o assunto.
Caso se confirme o corte, o SBT deverá preencher a faixa com reprises ou talvez apostar em uma estratégia já conhecida: exibir doramas sul-coreanos dublados, que vêm apresentando desempenho estável na audiência e boa recepção nas redes sociais.
Um baque para Íris Abravanel?
Íris Abravanel construiu uma carreira sólida à frente da dramaturgia infantojuvenil da emissora nos últimos 15 anos. Seu estilo, muitas vezes comparado ao de escritores de contos de fadas, combinava valores familiares, didatismo e leveza. Ela foi a responsável por recuperar o setor de novelas do SBT nos anos 2000, numa fase em que o canal buscava se reinventar.
Ainda que A Caverna Encantada possa não repetir o sucesso de Poliana, é inegável que a autora tentou dar um novo salto criativo. Talvez o público não estivesse pronto — ou talvez a obra tenha mesmo errado na dose. O fato é que seu legado permanece intacto, e dificilmente um tropeço isolado apagará sua contribuição para a dramaturgia brasileira voltada ao público jovem.
O que vem a seguir?
Independentemente do destino da trama infantil, a crise que ronda a produção levanta questionamentos importantes sobre o futuro das novelas infantis na TV aberta. Num tempo em que o consumo de audiovisual é moldado por algoritmos, plataformas sob demanda e ritmos acelerados, será que ainda há espaço para histórias de fôlego longo, exibidas em capítulos diários?
O SBT ainda acredita que sim. Mas talvez precise reinventar o formato, ouvir mais os jovens, testar linguagens híbridas e valorizar o que há de mais poderoso na ficção: a capacidade de tocar emocionalmente quem assiste.
















