
O silêncio de um apartamento antigo guarda histórias que não foram contadas. É entre paredes manchadas pelo tempo, fotografias esquecidas e símbolos religiosos inquietantes que se desenrola a trama de Rosario, novo longa de terror dirigido pelo colombiano Felipe Vargas, que chega aos cinemas brasileiros no dia 28 de agosto, com distribuição da Imagem Filmes.
O filme acaba de ganhar uma cena exclusiva, que você pode ver logo abaixo, que mostra a protagonista em um dos primeiros momentos de tensão dentro do apartamento da avó. A sequência, marcada por sons abafados, ausência de trilha sonora convencional e a presença sutil de movimentos estranhos ao fundo do quadro, antecipa o que Rosario pretende construir: uma narrativa de horror calcada no desconforto, na herança espiritual e nos vínculos familiares.
Uma trama construída a partir da ausência
A protagonista é Rosario Fuentes, interpretada por Emeraude Toubia, conhecida por papéis em Shadowhunters e With Love. Rosario é uma executiva do mercado financeiro, racional, objetiva e afastada de suas origens. Quando sua avó, Griselda, morre de forma repentina, Rosario retorna a Nova York para resolver assuntos pendentes. A visita, inicialmente prática e breve, ganha outras proporções ao descobrir que o apartamento da avó esconde uma câmara secreta, repleta de símbolos religiosos, artefatos de rituais e uma coleção de registros que apontam para práticas espirituais não convencionais.
Ao explorar esse espaço, Rosario se vê confrontada por uma memória familiar que havia escolhido ignorar. Os ruídos nas paredes, os sonhos recorrentes e a sensação de estar sendo observada constroem, aos poucos, um estado de instabilidade emocional. Não se trata apenas de um confronto com o sobrenatural, mas com a própria identidade.
O olhar de uma protagonista entre dois mundos
A atuação de Emeraude se destaca pela contenção. Sua personagem está constantemente em tensão entre o mundo que construiu — estruturado, pragmático, financeiro — e aquele que insiste em retornar, onde símbolos religiosos, fé popular e luto se entrelaçam. Toubia, de origem mexicana e libanesa, entrega uma performance que valoriza nuances. Não há excessos, nem reações caricatas ao medo. Há inquietação. Há hesitação.
Rosario é, em muitos aspectos, a representação de um dilema contemporâneo vivido por diversas mulheres latinas que ascenderam profissionalmente em contextos globalizados, mas que ainda carregam vínculos profundos com práticas espirituais, familiares e culturais muitas vezes vistas como arcaicas. Essa dualidade é o cerne do longa.
Uma direção voltada ao horror atmosférico
O longa-metragem marca a estreia de Felipe Vargas em longas-metragens. O diretor, que ganhou notoriedade por seu curta Milk Teeth, premiado em festivais de cinema de gênero, aposta aqui em uma abordagem que valoriza a atmosfera e o desconforto psicológico, em vez de sustos fáceis ou violência explícita.
Em entrevista recente à revista Latinx Creators, Vargas explicou sua intenção de “colocar o espectador dentro da mente da protagonista, onde o medo não é um monstro externo, mas o eco de algo que foi reprimido por muito tempo”. O uso de câmera estática, a presença de sombras em planos abertos e o som diegético são algumas das escolhas que evidenciam esse olhar mais introspectivo.
A fotografia de Nico Aguilar, colaborador frequente de Vargas, constrói uma Nova York envelhecida, quase esquecida, onde o apartamento da avó funciona como um espaço de memória e transição. Nada é gratuito: os objetos de cena, os ícones religiosos, as rachaduras nas paredes — tudo aponta para um passado que permanece ativo.
Um terror com raízes espirituais e culturais
O diferencial do filme está na forma como trabalha a espiritualidade. Os rituais mencionados no filme não são caricaturas, nem inventados para a trama. Eles fazem parte de um universo religioso latino-americano real, muitas vezes sincrético, onde o catolicismo popular se mistura a práticas afroindígenas, rezas herdadas e cultos domésticos. Vargas evita o sensacionalismo e trata esses elementos com respeito, como parte de um patrimônio afetivo.
Esse aspecto torna o filme especialmente significativo. Em vez de usar o oculto como fetiche, Rosario insere o sobrenatural como parte natural da narrativa. Os símbolos religiosos não são apenas ameaçadores — são também pontes para reconciliação, para compreensão e, em última instância, para libertação.













