
Imagine-se em alto-mar, com o som ritmado das ondas batendo no casco de um barco, o vento salgado no rosto e o horizonte sem nada além de azul. Agora, troque essa sensação de paz por correntes frias prendendo seus pulsos, um olhar impassível observando cada movimento seu e o som distante de algo cortando a água — rápido demais para ser apenas uma onda. É nesse cenário que Animais Perigosos mergulha o público, levando o gênero “filme de tubarão” a uma nova e perturbadora profundidade.
Previsto para estrear nos cinemas brasileiros em 18 de setembro, o longa-metragem chega pelas mãos da Diamond Films, a maior distribuidora independente da América Latina, com um diferencial que já o coloca à frente de outras produções: foi exibido no Festival de Cannes deste ano. Isso não é pouca coisa para um título que, em essência, lida com predadores marinhos — uma categoria que raramente encontra espaço em festivais de prestígio.
A história acompanha Zephyr (Hassie Harrison), uma surfista que vive para o mar, acostumada a encarar correntes traiçoeiras e ondas gigantes. Ela sabe que o oceano é imprevisível, mas sempre confiou em seu instinto para sobreviver. Essa confiança é quebrada quando cruza o caminho de Tucker (Jai Courtney), um serial killer que encontrou um método tão cruel quanto engenhoso para eliminar suas vítimas: jogá-las vivas para serem devoradas por tubarões.
Zephyr é sequestrada e levada para um barco isolado, onde encontra outra jovem refém. Presa, sem contato com o mundo exterior e vigiada de perto por um homem que transforma a morte em espetáculo, ela é obrigada a testemunhar cada ataque — todos filmados friamente por Tucker. O assassino não se contenta apenas com a violência física; ele transforma cada assassinato em uma performance calculada, manipulando o medo de suas vítimas e, indiretamente, também o nosso.
O enredo constrói um jogo psicológico constante. A ameaça não está apenas na água, mas no convés, na figura humana que planeja cada detalhe e que, ironicamente, se mantém a salvo enquanto entrega outros à morte.
Tubarões que não são vilões gratuitos
O diretor Sean Byrne, conhecido por Entes queridos, já revelou que seu interesse pelo projeto surgiu justamente porque o roteiro original não pintava os tubarões como monstros irracionais. “Queria fazer um filme de tubarão que não demonizasse o animal”, disse Byrne. Para ele, o verdadeiro predador é o homem que manipula as circunstâncias, usando a força da natureza para executar seus crimes.
O roteirista Nick Lepard inicialmente concebeu a história de forma mais leve, quase como uma aventura sombria. Foi Byrne quem trouxe o peso extra, inspirado em obras de terror intenso como O massacre da serra elétrica, mas substituindo motosserras por dentes afiados e a floresta por águas profundas.
Essa escolha narrativa não só adiciona camadas à história como também provoca uma reflexão: será que o mal está no instinto de caçar para sobreviver ou na mente que calcula a morte como um espetáculo?
Atuações que sustentam o peso do suspense
Hassie Harrison entrega uma Zephyr cheia de nuances. Ela não é uma heroína estereotipada que de repente ganha superpoderes para lutar contra o vilão; é uma mulher real, com medo, mas também com uma obstinação que cresce a cada cena. Harrison equilibra vulnerabilidade e determinação de forma convincente, o que torna a jornada de sua personagem ainda mais angustiante e envolvente.
Jai Courtney, por sua vez, constrói um vilão que assusta justamente pela ausência de exageros. Tucker não é um psicopata caricatural; ele é calculista, metódico, com um olhar que mistura frieza e curiosidade mórbida. Essa abordagem torna cada diálogo, cada gesto e cada silêncio ainda mais perturbadores.
O elenco é completado por Josh Heuston e Ella Newton, que contribuem para a dinâmica de tensão constante a bordo do barco, ajudando a criar um microcosmo sufocante onde não há espaço para fuga ou esperança fácil.
Cannes e a quebra de expectativas
Quando Animais perigosos foi anunciado como parte da programação do Festival de Cannes, a notícia surpreendeu cinéfilos e críticos. Produções de “terror de criatura” raramente ocupam esse espaço, mas o longa de Byrne conseguiu quebrar esse padrão por causa de sua abordagem híbrida: ao mesmo tempo em que entrega cenas de ação e terror visceral, constrói um suspense psicológico com peso dramático.
As primeiras reações destacaram a fotografia atmosférica, que usa o contraste entre a imensidão do mar e a claustrofobia do barco para potencializar a tensão. O design de som também foi elogiado, combinando ruídos subaquáticos, o silêncio ameaçador antes de um ataque e o estrondo repentino que acompanha as cenas mais brutais.
O medo que vem de dois lados
Uma das grandes forças do filme é trabalhar dois tipos de medo ao mesmo tempo. De um lado, o temor instintivo de estar vulnerável diante de um predador marinho. Do outro, o terror psicológico de estar nas mãos de alguém que se diverte com sua dor.
Byrne constrói essa dualidade de forma quase cruel para o público: quando Zephyr olha para a água, sabemos que há tubarões; quando ela olha para Tucker, sabemos que ele está planejando algo pior. Não há respiro, não há momento em que a personagem — e, por extensão, o espectador — possa se sentir segura.
A força do cenário australiano
Filmado em locações reais na costa australiana, o longa aproveita não só a beleza natural do oceano, mas também sua imprevisibilidade. O mar filmado por Byrne não é apenas pano de fundo; ele é personagem, ora sedutor, ora ameaçador.
A produção contou com consultores marinhos para garantir realismo nas sequências com tubarões. Algumas cenas foram feitas com animais reais captados em ambiente natural e combinadas a efeitos visuais de ponta. O resultado é uma transição imperceptível entre realidade e CGI, o que aumenta a imersão do espectador.
Um olhar sobre a espetacularização da violência
Além do suspense, o filme toca em um tema inquietante: a forma como a violência é registrada e consumida. O fato de Tucker filmar cada ataque e tratá-lo como “conteúdo” é um espelho distorcido da nossa própria relação com imagens de tragédia e morte que circulam diariamente nas redes sociais.
O filme não se limita a chocar pelo choque. Ele questiona até que ponto o espectador é apenas vítima do que assiste ou cúmplice passivo por escolher continuar olhando.
Produção de peso e histórico de acertos
O longa é produzido pela mesma equipe responsável por Longlegs – Vínculo mortal, que também conquistou críticas positivas por seu clima de tensão constante. Essa bagagem se reflete na atenção aos detalhes e na confiança de que o público está disposto a encarar histórias que não entregam respostas fáceis nem vilões bidimensionais.
Comparações inevitáveis — e por que elas não bastam
É impossível não lembrar de Tubarão ao falar de um filme com predadores marinhos, mas o filme tem mais parentesco com thrillers como O silêncio dos inocentes ou Zodíaco. Aqui, o mar e seus perigos são ferramentas de um vilão humano, e não a ameaça central. Essa fusão de gêneros amplia o público-alvo: atrai os fãs de filmes de “criaturas” e também quem gosta de suspense policial psicológico.
















