
Nesta quinta-feira, 14 de agosto, os cinemas brasileiros recebem Os Enforcados, novo longa-metragem de Fernando Coimbra, diretor consagrado por trabalhos como O Lobo Atrás da Porta, além de séries internacionais como Narcos, Perry Mason e Outcast. Distribuído pela Paris Filmes, o filme reúne um elenco de peso, com Leandra Leal e Irandhir Santos nos papéis principais, além de participações especiais de Irene Ravache e Stepan Nercessian. A produção é assinada pela Gullane, em coprodução com Fado Filmes, Globo Filmes, Telecine e Pavuna Pictures.
Após anos dirigindo projetos no exterior, Coimbra volta ao Brasil para explorar temas próximos da realidade brasileira, combinando suspense, drama e crítica social. “Estava morrendo de saudade de trabalhar no Brasil, falando na minha língua e sobre algo que conheço profundamente e vivo diariamente”, explica o cineasta. Para Coimbra, essa conexão com o país é essencial para construir histórias autênticas, onde o cotidiano se entrelaça com dilemas universais de ambição, poder e moralidade.
O longa acompanha Valério (Irandhir Santos) e Regina (Leandra Leal), um casal que vive confortavelmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro graças ao império do jogo do bicho, construído pelo pai e pelo tio de Valério. Apesar de acreditar ter mantido suas mãos limpas, Valério se vê pressionado a lidar com questões familiares e exigências de um meio que obedece a suas próprias regras. Motivados pela ambição, o casal planeja um último golpe que acreditam ser infalível, mas a realidade se mostra implacável. “Os Enforcados é, antes de tudo, sobre um casamento”, afirma Coimbra. “O casal sela um pacto e faz um plano de vida que é incapaz de cumprir. Só que esse plano se faz a partir de um crime. Um último crime que os levaria à realização de seus sonhos. Mas a realidade é muito diferente do sonho, e as coisas desandam.”
A narrativa do filme foi inspirada em Macbeth, de William Shakespeare, mas Coimbra optou por contar a história sob a perspectiva feminina, destacando a complexidade de Regina. Assim como na tragédia clássica, os protagonistas se veem presos em uma escalada de ambição e violência, mas com um toque de humor ácido e crítica social tipicamente brasileira. “O jogo do bicho é um pano de fundo para retratar esse universo corrupto que eles habitam. Mas o filme é construído em cima dos personagens”, detalha o diretor. “Ele disseca essas personalidades em todas as suas camadas e explora a dinâmica de poder que existe na maioria das relações passionais.”
Para dar vida a personagens tão complexos, Coimbra precisou de atores capazes de transmitir múltiplas camadas emocionais. A parceria com Leandra Leal se repete após o sucesso de O Lobo Atrás da Porta, onde a atriz demonstrou grande capacidade de mergulhar em papéis densos. “Eu sabia do que a Leandra é capaz e que ela potencializaria as camadas de Regina”, explica o diretor. Irandhir Santos, escolhido para interpretar Valério, já era um desejo antigo de Coimbra, que elogia a intensidade e a criatividade do ator. “Os dois são muito focados e criativos. Construímos os personagens juntos”, acrescenta.
A ambiguidade moral dos protagonistas é uma característica marcante tanto em Os Enforcados quanto em O Lobo Atrás da Porta. “Não há bem e mal claros. Eles mesmos são seus piores antagonistas, cruzam limites que não deveriam e que vão levá-los à ruína”, explica o diretor. No entanto, enquanto o filme anterior focava em crimes de cunho pessoal e intimista, o filme mergulha na corrupção da elite econômica brasileira, trazendo uma abordagem crítica sobre o poder e as falhas estruturais da sociedade.
Coimbra revela que a ideia para o longa surgiu ainda durante as filmagens de O Lobo Atrás da Porta, ao observar a Barra da Tijuca. “Temos índices de criminalidade gigantes e desigualdade de renda absurda, mas o audiovisual tende a olhar o crime apenas na periferia, no subúrbio, na comunidade. E a elite? Boa parte é extremamente corrupta. São aqueles que se declaram cidadãos de bem, mas fazem muita coisa ilegal para enriquecer”, afirma o diretor. Essa percepção crítica permeia todo o roteiro, conferindo à narrativa uma dimensão social além do suspense e do drama íntimo.
O roteiro passou por aprimoramentos em laboratórios internacionais, incluindo o Laboratório de Sundance em 2015, e recebeu reconhecimento com o Sundance Global Filmmaking Awards. A pandemia e os trabalhos de Coimbra fora do país atrasaram a produção, mas o cineasta nunca deixou de trabalhar no projeto. “Eu precisava constantemente adaptar o roteiro para refletir o sentimento de absurdo que vivíamos. O filme cresceu junto com o país”, comenta.
O longa combina elementos de thriller, drama e crítica social de forma equilibrada. O jogo do bicho, símbolo da ilegalidade que permeia a vida dos protagonistas, serve de metáfora para a corrupção estrutural, enquanto a relação entre Valério e Regina oferece um estudo íntimo de ambição, desejo e limites morais. A tensão entre sonho e realidade, planos e consequências, transforma a narrativa em uma tragédia moderna que dialoga com o público brasileiro de maneira direta e envolvente.
O elenco de apoio, incluindo Irene Ravache e Stepan Nercessian, contribui para reforçar a densidade dramática da trama, ao mesmo tempo em que complementa a história central com atuações sólidas. A ambientação no Rio de Janeiro, com locações cuidadosamente escolhidas, ajuda a construir o contraste entre riqueza, poder e ilegalidade, tornando o cenário quase um personagem dentro da narrativa.
Os Enforcados não se limita a contar uma história de crime e ambição: é também um estudo sobre relações humanas, escolhas morais e a pressão que a busca pelo poder exerce sobre os indivíduos. Fernando Coimbra constrói uma narrativa em que o público é convidado a refletir sobre o que leva pessoas comuns a cruzar limites e até que ponto o desejo por status, dinheiro ou reconhecimento pode ser perigoso.
O diretor também explora o casamento como núcleo central do filme, mostrando como os desejos individuais se entrelaçam e colidem com a realidade, criando situações imprevisíveis e, muitas vezes, trágicas. Regina e Valério são cúmplices e antagonistas ao mesmo tempo, refletindo sobre o delicado equilíbrio entre parceria e ambição desmedida.
Com estreia marcada para 14 de agosto, o filme chega com expectativas elevadas, tanto pelo histórico do diretor quanto pela repercussão em festivais internacionais como Toronto, Rio, São Paulo, Recife e Havana. O longa promete se destacar pelo suspense, pela profundidade dos personagens e pela crítica social sutil, mas contundente, mostrando um Brasil onde a moralidade e a ilegalidade se entrelaçam de forma complexa e intrigante.
















