
A busca pelo prazer é, talvez, uma das características mais universais do ser humano. Desde os pequenos momentos — o aroma do café fresco pela manhã, o sabor de uma fruta madura, a sensação de completar uma tarefa simples — até grandes conquistas da vida, como a formatura ou a realização de um sonho profissional, há um fio invisível que guia nossas escolhas, desejos e emoções. Esse fio é, na verdade, uma molécula: a dopamina.
Conhecida popularmente como o “hormônio do bem-estar” ou a “molécula do desejo”, a dopamina é um neurotransmissor produzido pelo cérebro que regula sensações de prazer, motivação e recompensa. Mas, apesar da fama positiva, seu efeito não é sempre benigno. O Globo Repórter desta sexta-feira, 22 de agosto de 2025, explorou a fundo o impacto desse neurotransmissor na vida dos brasileiros, revelando como a busca por prazer saudável — ou por prazer imediato — molda comportamentos, hábitos e até relações sociais.
Dopamina: prazer, motivação e armadilhas
A dopamina é frequentemente chamada de “molécula da motivação” porque atua diretamente no sistema de recompensas do cérebro. Quando algo nos dá prazer, ela é liberada, criando uma sensação de satisfação que nos incentiva a repetir aquele comportamento. Isso ajuda a explicar por que sentimos tanto prazer em atividades cotidianas, como cozinhar, praticar esportes ou mesmo terminar um projeto no trabalho.
Porém, nem toda dopamina gera efeitos positivos. O doutor em Saúde Luciano Henrique Pinto, pesquisador da Universidade de Joinville, explica que é possível diferenciar a dopamina “saudável” daquela que ele chama de dopamina “barata”. “A dopamina saudável contribui para o bem-estar e ajuda a combater a ansiedade e a depressão. Já a dopamina barata proporciona uma sensação rápida de prazer, mas passageira, e está ligada à busca incessante por estímulos imediatos”, afirma.
Essa dopamina barata é a responsável por comportamentos compulsivos, como o consumo exagerado de redes sociais, jogos de azar, alimentação compulsiva ou até mesmo o excesso de trabalho. “O problema não é a dopamina em si, mas a forma como ela é estimulada. Quando a pessoa se torna refém do prazer instantâneo, o efeito é transitório e pode gerar dependência”, alerta Luciano.
O adolescente Samuel Henrique Morais, de 17 anos, reflete exatamente esse dilema: “Usar o celular por mais de três horas prejudica meus estudos e atrapalha minha rotina. Eu sei que preciso equilibrar, mas às vezes é difícil resistir aos vídeos, jogos e redes sociais.”
Dependência tecnológica: um mal moderno
No Brasil, a tecnologia se tornou uma das principais fontes de estímulo dopaminérgico. Segundo a neurocientista Sheila Niskier, da Universidade de São Paulo, os brasileiros passam, em média, mais de nove horas por dia em redes sociais. “O tempo de tela em si não é o problema, mas quando ele substitui atividades essenciais, como sono, convivência familiar e estudo, surgem consequências negativas”, explica.
O excesso de estímulos digitais libera dopamina de forma rápida, criando prazer imediato, mas gerando ansiedade silenciosa a longo prazo. Niskier observa que, embora os jovens sejam mais vulneráveis, adultos e idosos também têm desenvolvido comportamentos dependentes de tecnologia.
Em Santa Catarina, o professor Luciano Henrique Pinto coordena um projeto educativo com estudantes do Ensino Médio, alertando sobre o uso exagerado de redes sociais e os riscos do cigarro. Mais de 500 jovens já participaram da iniciativa, aprendendo a identificar padrões de dopamina prejudiciais e a buscar formas de prazer mais saudáveis.
Dopamina, sono e sonhos: a motivação em ação
Outro aspecto fascinante da dopamina está relacionado ao sono e aos sonhos. Philipe Guedes acompanhou estudos na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde o neurocientista Sidarta Ribeiro explica que a dopamina não desaparece quando dormimos. Pelo contrário, ela influencia diretamente a qualidade do sono e o conteúdo dos sonhos.
“A dopamina ajuda a motivar ações, mesmo durante o sono. Alterações nesse sistema, como ocorre na doença de Parkinson, afetam tanto o sono quanto a motivação ao longo do dia”, afirma Ribeiro. A falta de dopamina adequada está associada à depressão, à falta de energia e à dificuldade de manter hábitos saudáveis, reforçando que a substância é muito mais do que um “hormônio do prazer”: é vital para a saúde mental e o equilíbrio emocional.
Estimulando dopamina de forma saudável
O Globo Repórter destacou que nem toda dopamina é prejudicial. Atividades simples do dia a dia podem estimular a produção de dopamina de forma gradual e duradoura. Caminhadas ao ar livre, exercícios físicos, contemplação da natureza, leitura ou hobbies criativos liberam dopamina saudável, fortalecendo o bem-estar sem gerar dependência.
“Valorizar pequenas conquistas e prazeres simples é essencial. Muitas vezes, a sociedade nos empurra para a busca incessante por gratificação imediata, mas isso não é sustentável a longo prazo”, explica Philipe Guedes.
Jean Raupp, outro repórter do programa, complementa: “Entender a dopamina é compreender a própria motivação. Conhecer como o cérebro reage aos estímulos permite decisões mais conscientes e hábitos mais equilibrados.”
Comportamentos cotidianos e prazer
A dopamina também molda atividades rotineiras, como comer, trabalhar ou estudar. Um almoço saboroso, a conclusão de um projeto ou uma vitória no esporte podem gerar pequenas descargas de dopamina, motivando o indivíduo a repetir esses comportamentos.
O problema surge quando esses momentos naturais de prazer são substituídos por estímulos artificiais e imediatos, como redes sociais ou jogos de azar. Nesse caso, a sensação de prazer torna-se efêmera, e o cérebro passa a exigir doses cada vez maiores de estímulos, levando à compulsão e à dependência.
Dopamina: aliada, não vilã
Uma das mensagens centrais do programa é clara: a dopamina não deve ser vista como vilã. Quando estimulada de forma equilibrada, ela é uma aliada poderosa, impulsionando ação, aprendizado e prazer saudável.
Luciano Henrique Pinto resume: “A dopamina está presente em todos os seres humanos. Ela nos move, nos incentiva a buscar experiências e nos conecta ao mundo. O segredo é utilizá-la de maneira consciente, evitando exageros e buscando o prazer de forma equilibrada.”
Histórias de transformação
O programa também trouxe relatos inspiradores de pessoas que conseguiram equilibrar a dopamina em suas vidas. Ana Clara, de 28 anos, enfrentava compulsão por redes sociais e encontrou na meditação e nas caminhadas uma forma de reduzir a ansiedade e aumentar o bem-estar. “No início, era difícil ficar longe do celular, mas percebi que atividades simples, como ler um livro ou caminhar no parque, me davam satisfação duradoura”, conta.
Paulo Henrique, executivo de 35 anos, utilizava o trabalho como fonte constante de prazer imediato, gerando dopamina barata e ansiedade. Com acompanhamento psicológico, passou a equilibrar trabalho, lazer, exercícios e descanso, encontrando motivação e prazer consistentes em sua rotina diária.
















