
O rap brasileiro vive um momento de efervescência. O gênero, que nasceu como forma de resistência e expressão nas periferias urbanas, hoje ocupa espaços de destaque na mídia, influencia a moda, o comportamento e as redes sociais, além de movimentar milhões em plataformas digitais. Ainda assim, nunca perde a essência: ser voz de quem precisa ser ouvido. É nesse espírito que o Conversa com Bial desta terça-feira, 2 de setembro, recebe dois nomes fundamentais da cena atual — Hungria e Budah — para uma conversa franca sobre música, trajetórias, inspirações e desafios.
A proposta do programa é dar palco a artistas que, cada um à sua maneira, têm construído pontes entre diferentes públicos e mostrado a força do rap como expressão cultural e social no Brasil.
Hungria: das batalhas da vida ao topo das paradas
Se hoje Hungria é um dos rappers mais ouvidos do país, com números impressionantes nas plataformas digitais, sua história é marcada por obstáculos e superação.
Nascido em Ceilândia, no Distrito Federal, e criado em Cidade Ocidental (GO), Hungria — batizado Gustavo Hungria Neves — sempre esteve cercado pela música, mas encontrou resistência dentro de casa quando decidiu trilhar esse caminho. Filho de Manoel e Rachel, ele enfrentou a reprovação da mãe, que desejava que o filho se dedicasse aos estudos e buscasse um emprego estável.
Durante o ensino médio, trabalhou como garçom em um restaurante vizinho à escola, servindo pratos para colegas de sala. Foi um período em que a música ainda não rendia frutos financeiros. Chegou a cursar faculdade, mas trancou por faltas, já que se dedicava cada vez mais aos shows.
O começo foi duro: em muitas ocasiões, era pago com almoço, cerveja ou, simplesmente, não recebia nada. Seu empresário, Eduardo Bastos, já revelou que, em certa época, o cantor precisou cozinhar macarrão instantâneo com água quente do chuveiro, porque não tinha gás em casa.
O peso da cor e da representatividade
Mesmo mestiço — filho de uma mulher negra e de pai branco — Hungria enfrentou críticas dentro da própria cena hip hop. Por ter a pele mais clara, chegou a ser acusado por alguns de “roubar o espaço dos negros” ao cantar sobre ostentação, carros e consumo, temas pouco aceitos no rap mais tradicionalista da época.
Ele nunca fugiu do debate: em entrevistas, reforça que o rap é negro e que brancos que nele atuam precisam reconhecer isso. Ao mesmo tempo, defende que há espaço para todos, já que a essência do rap também é liberdade de expressão. Sua trajetória, nesse sentido, reflete os embates internos de um gênero em constante transformação.
A virada: hits que ultrapassaram fronteiras
A carreira do cantor decolou com o single “Bens Materiais”, mas foi com músicas como “Dubai”, “Lembranças”, “Coração de Aço”, “Beijo com Trap” e “Amor e Fé” que ele conquistou o país. “Lembranças”, por exemplo, ultrapassa 300 milhões de acessos no YouTube e virou trilha sonora da novela Malhação: Viva a Diferença.
Ao todo, já lançou três álbuns de estúdio e três EPs, colecionando certificados que vão do ouro ao diamante. Entre os destaques, estão o single de platina triplo “Eu Vou Te Buscar (Cha La La La La)”, parceria com Gusttavo Lima, e o diamante conquistado com “Cruzeiro da Revoada”.
Seu estilo mistura rap, trap, funk e elementos de pop, numa sonoridade que atrai diferentes públicos e mantém conexão com sua origem.

Budah: a voz feminina que rompe barreiras
Se Hungria representa a força da persistência diante das dificuldades, Budah traz o frescor da nova geração feminina no rap nacional.
Nascida Brenda Rangel, no Espírito Santo, Budah começou sua trajetória nas batalhas de rap. Esses encontros de improviso, em praças e ruas, foram a porta de entrada para muitas mulheres que, como ela, buscavam espaço em um cenário dominado por homens.
Budah conquistou respeito pela potência lírica e pela capacidade de trazer sensibilidade às rimas sem perder a contundência. Rapidamente, suas músicas começaram a ganhar corpo e identidade própria. Entre os maiores sucessos estão “Peito Aberto”, “Sedenta”, “Namorada” e “Púrpura”.
A representatividade feminina no rap
A presença da cantora no Conversa com Bial simboliza a expansão do rap nacional para novas narrativas. Se antes as mulheres tinham pouca visibilidade na cena, hoje conquistam espaço com autenticidade e talento.
Budah se tornou inspiração para jovens que sonham em ocupar o microfone. Sua trajetória mostra que a voz feminina no rap não precisa ser enquadrada ou suavizada — ela pode ser forte, sensual, política e poética, tudo ao mesmo tempo.
O episódio desta terça-feira promete ser um retrato da pluralidade do rap nacional. De um lado, o cantor, com sua história marcada por lutas pessoais, números estratosféricos e a consolidação de um estilo híbrido que dialoga com o mainstream. De outro, Budah, que representa a nova geração, com foco na representatividade e na força feminina.
A proposta de Pedro Bial é colocar esses dois universos em diálogo, explorando não apenas os sucessos musicais, mas também os bastidores das escolhas, os obstáculos enfrentados e a visão de futuro.
O rap como espelho da sociedade
Mais do que um gênero musical, o rap é um espelho da sociedade. Ele narra desigualdades, mas também sonhos de superação. Hungria e Budah, cada um com sua trajetória, mostram que o rap é múltiplo: pode falar de carros importados e ostentação, mas também de afetos, dores e empoderamento.
No palco de Bial, a expectativa é que esses relatos pessoais se cruzem, oferecendo ao público um panorama rico sobre o que significa viver de rap no Brasil de hoje
O papel da música na vida dos artistas
Tanto Hungria quanto a rapper têm histórias em que a música aparece como salvação. Para cantor, ela foi a saída diante da falta de perspectivas financeiras e do preconceito. Para Budah, foi a forma de conquistar voz e respeito em um cenário que ainda impõe barreiras às mulheres.
Ambos enxergam a música não apenas como profissão, mas como identidade. E é essa relação íntima que deve pautar grande parte da conversa no programa.





