
O programa Profissão Repórter desta terça-feira, 23 de setembro de 2025, traz à tona a realidade de quem vive no Dique da Vila Gilda, a maior favela sobre palafitas do Brasil. Localizada em Santos, litoral de São Paulo, a comunidade enfrenta desafios históricos de infraestrutura, vulnerabilidade social e ambiental, agravados recentemente por dois incêndios que destruíram centenas de moradias, deixando muitas famílias sem teto e obrigadas a reconstruir suas vidas do zero. Durante dois meses, a equipe de reportagens, liderada pelo jornalista Caco Barcellos, acompanhou de perto a rotina de moradores que, apesar das perdas, permanecem na comunidade com coragem, fé e esperança.
Em agosto de 2025, cerca de 100 casas foram destruídas na comunidade Caminho São Sebastião, parte do complexo do Dique da Vila Gilda. Entre os afetados estava Richard, de 9 anos, que perdeu tudo ao lado do pai. A tragédia também atingiu Alessandra Santos, que mesmo com sua casa parcialmente danificada decidiu permanecer no que restou de sua moradia. Sem banheiro ou cozinha, ela organiza os escombros e afirma: “Aqui é tudo que eu tenho. Vou conseguir, tenho fé”. Menos de um mês depois, um segundo incêndio atingiu outras 90 moradias, deixando famílias como a de Alan e Aline, que criam quatro filhos, sem praticamente nenhum bem, dependendo do apoio da mãe de Alan. Para o pedreiro Moisés, a perda foi ainda mais dolorosa: ele perdeu a casa que havia construído há sete anos para sua esposa e três filhos, conseguindo salvar apenas uma televisão e uma caixa de som. Hoje, essas famílias tentam se reorganizar em moradias improvisadas, enquanto buscam auxílio-aluguel e meios de reconstruir suas vidas.
O Dique da Vila Gilda tem uma história marcada por resistência. A ocupação começou nos anos 1960, após obras de drenagem do Rio dos Bugres, e cresceu quase 300% entre 1970 e 2022. Desde o início, a comunidade convive com a falta de saneamento básico, esgoto e lixo que seguem diretamente para a maré, fiações precárias e água obtida por meio de canos improvisados. Moradores mais antigos, como Dona Sônia, que chegou em 1973, relatam uma rotina dura, mas marcada pela persistência: “A gente aprendeu a se virar com pouco. Aqui ninguém desiste, mesmo quando parece impossível”, lembra. Apesar das dificuldades, histórias de superação são frequentes: a comunidade desenvolve mecanismos próprios de organização, solidariedade e reinvenção.
Entre as novas gerações, algumas transformaram a experiência de vida nas palafitas em estudo acadêmico e ação social. Thaís Helena, que viveu 15 anos no Dique da Vila Gilda, tornou sua vivência em pesquisa, hoje sendo mestre em serviço social e estudando a precariedade habitacional e questões étnico-raciais de uma população majoritariamente negra. Ela observa que, apesar de todas as adversidades, a favela representa um território de resistência, aprendizado e identidade cultural.
Além da vulnerabilidade social, o meio ambiente é um desafio constante. A ocupação estreitou o curso do Rio dos Bugres, aproximando Santos e São Vicente em alguns pontos, e pesquisas recentes indicam que o rio é o mais poluído do Brasil em microplásticos e o segundo no mundo. A poluição, somada à proximidade de residências com a água, eleva o risco de doenças, sobretudo para crianças e idosos, e reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para saneamento e prevenção de desastres. Moradores relatam que, durante chuvas fortes, precisam improvisar a proteção de móveis e eletrodomésticos para evitar perdas, evidenciando a vulnerabilidade estrutural da comunidade.
Mesmo diante desses desafios, o espírito de solidariedade é um traço marcante do Dique da Vila Gilda. Após os incêndios, vizinhos se mobilizaram para oferecer abrigo, roupas, alimentos e conforto emocional. Pedreiros, marceneiros, cozinheiras e outros profissionais se unem para reconstruir casas e criar oportunidades de renda. Cada tijolo colocado e cada gesto de ajuda simbolizam a força da comunidade em preservar seus laços e sua dignidade, mostrando que a resistência é coletiva e cotidiana.
O “Profissão Repórter” cumpre um papel essencial ao dar visibilidade a essas histórias. O programa não apenas informa sobre tragédias, mas humaniza a experiência dos moradores, revelando suas lutas, sonhos e memória afetiva ligada ao território. A cobertura de Caco Barcellos e sua equipe registra relatos emocionantes de perda e superação, destacando que, por trás das estatísticas, existem vidas complexas, cheias de histórias que merecem ser contadas.
A educação e a cultura surgem como ferramentas fundamentais para transformar a realidade da comunidade. Crianças e adolescentes participam de atividades culturais, esportivas e oficinas de arte, enquanto projetos de reforço escolar buscam garantir oportunidades que permitam romper ciclos de vulnerabilidade. Histórias como a de Thaís Helena demonstram que, mesmo em condições adversas, é possível alcançar ascensão social e acadêmica, reforçando a importância de políticas públicas que incentivem educação e profissionalização.
O caso do Dique da Vila Gilda também evidencia a necessidade urgente de políticas habitacionais eficazes. A ausência de infraestrutura adequada e a repetição de tragédias como incêndios e enchentes reforçam a vulnerabilidade das famílias e a importância de ações governamentais consistentes. Reconstruir casas é apenas parte da solução; é preciso garantir condições mínimas de vida digna, incluindo saneamento, energia elétrica segura, acesso à saúde e medidas preventivas contra desastres naturais.
Viver no Dique da Vila Gilda é conviver com a memória de gerações e com o desafio diário de reinventar o presente. Cada incêndio não apaga completamente a história, cada reconstrução é um ato de afirmação. Moradores como Alessandra, Richard, Alan, Aline e Moisés mostram que é possível resistir, preservar laços, memórias e dignidade mesmo diante do caos.
O programa “Profissão Repórter” evidencia que, mesmo em cenários de vulnerabilidade extrema, a esperança pode florescer. Ao registrar relatos de quem vive na comunidade, o jornalismo cria visibilidade para problemas históricos, aproxima o público de realidades marginalizadas e mostra que a luta por dignidade é universal. A vida continua, mesmo em terrenos marcados por lama, madeira queimada e esgoto; e a capacidade de recomeçar, de se reinventar e de manter a esperança é o que torna o Dique da Vila Gilda um exemplo de resistência e resiliência.
















