O título original do filme, Him, carrega uma ambiguidade instigante ao estabelecer uma conexão direta com Deus, funcionando como uma metáfora inteligente para uma narrativa que explora o culto à excelência e a idolatria no esporte contemporâneo. No Brasil, a escolha do título GOAT — acrônimo de Greatest of All Time — reforça a temática esportiva e conecta imediatamente o público ao universo da NFL, onde a expressão já é consagrada para designar os maiores atletas de todos os tempos. Essa adaptação linguística evidencia o cuidado da obra em se comunicar com diferentes públicos sem perder sua essência crítica.

Narrativamente, o filme consegue equilibrar humor, drama e crítica social. A história acompanha a trajetória de jovens quarterbacks que enfrentam pressões quase sobre-humanas, lidando com expectativas da mídia, dos fãs e do próprio sistema esportivo. O roteiro não se limita a glorificar o sucesso, mas aprofunda-se nos bastidores do esporte, abordando lesões que comprometem carreiras, os efeitos devastadores do trauma craniano, o uso de substâncias para aumento de desempenho, além da corrupção e da manipulação nos bastidores das franquias. Dessa forma, GOAT oferece uma reflexão contundente sobre a dualidade entre divinização pública e exploração institucional de atletas, um tema raramente abordado com tanta clareza no cinema esportivo.

O uso de metáforas religiosas é uma das marcas da obra. A associação entre conquista esportiva e fé — comum entre atletas profissionais — é explorada de maneira recorrente, reforçando o caráter quase sacro que o público confere às estrelas da NFL. Embora algumas cenas, como a referência à Última Ceia, possam soar excessivamente literais, a estratégia simbólica contribui para a crítica central do filme: a transformação de atletas em figuras quase divinas enquanto são tratados como produtos dentro de um sistema competitivo e mercantilizado.

No que se refere às performances, o elenco entrega atuações consistentes. Há química convincente entre os protagonistas e momentos de autenticidade que sustentam as tensões dramáticas. Visualmente, o filme apresenta soluções criativas e impactantes, como as sequências em raio-X que mostram o corpo humano em sua fragilidade e mecanicidade, reforçando a ideia de atletas como máquinas de alto desempenho. O estilo do desfecho, com referências tarantinescas, traz ousadia e irreverência, contribuindo para um fechamento que mistura suspense, humor e crítica social. Pequenos deslizes técnicos, como o uso incorreto de equipamentos, são perceptíveis para os fãs mais atentos, mas não comprometem a experiência geral.

Entretanto, nem tudo é impecável. O desenvolvimento de personagens deixa lacunas significativas. A relação entre Cam e seu pai carece de profundidade emocional, reduzindo o impacto de seus conflitos internos. O arco de Isaiah White, outro personagem central, poderia ter sido explorado de maneira mais detalhada, oferecendo camadas adicionais à narrativa e fortalecendo a densidade dramática da obra. Ainda assim, a progressão do roteiro mantém o ritmo e evita que o público se desengaje, o que é um mérito importante em produções que combinam crítica social com entretenimento esportivo.

O filme também se destaca ao capturar a tensão psicológica inerente à carreira de um atleta de elite. A pressão por resultados, o medo constante do fracasso e o peso da mídia são retratados de forma autêntica, proporcionando ao espectador uma compreensão mais profunda do custo pessoal do sucesso no esporte de alto nível. Além disso, a trilha sonora de Jean Dawson contribui para criar uma atmosfera contemporânea e envolvente, reforçando momentos de tensão e celebração, e complementando a narrativa com um tom moderno e urbano.

GOAT encerra sua trajetória com uma mensagem clara e poderosa: a retomada do controle do próprio destino. Após enfrentarem sacrifícios físicos, emocionais e éticos, os atletas protagonistas emergem não apenas como competidores, mas como indivíduos que desafiam um sistema que frequentemente os vê apenas como mercadorias. Esse desfecho confere ao filme um peso simbólico, elevando-o acima do mero retrato esportivo e transformando-o em um comentário social relevante sobre meritocracia, idolatria e humanidade no esporte.

Embora não se configure como uma obra-prima, GOAT é ousado, incisivo e, em muitos momentos, surpreendentemente perspicaz. Consegue unir crítica social, entretenimento e estética visual de maneira coesa, oferecendo uma experiência cinematográfica refrescante dentro do gênero esportivo-dramático. A obra provoca reflexão sobre a natureza da fama, do sucesso e da pressão contemporânea sobre atletas, ao mesmo tempo em que diverte e entretém, mostrando que o cinema esportivo ainda tem espaço para inovação e relevância cultural.

Avaliação geral
Nota do crítico
Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.
critica-goat-e-um-retrato-cru-e-perspicaz-da-pressao-no-esporte-de-eliteGOAT é um filme instigante que mistura drama, humor e crítica social, oferecendo um olhar perspicaz sobre a pressão e a idolatria no esporte de elite. Embora apresente falhas no desenvolvimento de personagens e alguns exageros narrativos, a obra se destaca pela originalidade, metáforas inteligentes, performances sólidas e estética visual impactante. O desfecho poderoso reforça a mensagem sobre perseverança, autonomia e os sacrifícios enfrentados por atletas em busca da excelência.

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