Preconceito, solidão, exaustão e dedicação sem limites são sentimentos que atravessam a vida de muitas mulheres que assumem, muitas vezes sozinhas, a missão de cuidar de filhos com deficiência no Brasil. Nesta terça-feira, 21, o programa Profissão Repórter, comandado pelo jornalista Caco Barcellos, mergulha no universo das chamadas “mães atípicas”, revelando histórias de luta, resistência e amor incondicional, que expõem a realidade complexa e multifacetada dessa maternidade.

De acordo com o Censo de 2022, mais de 2,4 milhões de brasileiros foram diagnosticados com transtorno do espectro autista (TEA). Por trás desse número, há mulheres que assumem papéis múltiplos: cuidadoras, mediadoras, educadoras e defensoras de seus filhos, muitas vezes sem o apoio familiar, financeiro ou institucional que seria necessário. O programa mostra como a maternidade atípica transforma vidas, altera rotinas e exige uma força emocional extraordinária, exigindo dessas mulheres um equilíbrio diário entre dedicação e sobrevivência emocional.

A equipe do Profissão Repórter, com a repórter Nathalia Tavolieri e o técnico Carlos de Oliveira, acompanhou a rotina de Leandra Ramos dos Santos, mãe solo de três crianças autistas. Sua vida é marcada por noites mal dormidas, crises inesperadas, medicamentos a administrar e consultas médicas a agendar. Cada dia é uma batalha para manter o equilíbrio emocional e físico, enquanto espera por atendimento psicológico pelo SUS. “No pouco tempo que sobra, eu durmo. Ou choro”, desabafa Leandra, resumindo em poucas palavras a intensidade da maternidade atípica, que exige força em meio à imprevisibilidade e à exaustão.

Buscando apoio e acolhimento, Leandra encontrou um grupo de mães atípicas, onde mulheres compartilham angústias, conquistas e estratégias para lidar com a rotina diária. O programa acompanhou um desses encontros, em que o foco é exclusivo delas, e não de seus filhos. Entre as participantes estava Priscila Sapateiro, mãe de três filhos — dois deles autistas — que decidiu resgatar seus próprios sonhos após anos dedicados exclusivamente à família. Com o incentivo do marido, Priscila abriu uma pequena loja de perfumes e sabonetes. “Acredito que estar feliz e realizada vai fazer muito bem aos meus filhos”, afirma, simbolizando a força, a autonomia e a busca por identidade que permeiam a vida dessas mulheres.

Na zona leste de São Paulo, um conjunto habitacional entregue em 2022 abriga dezenas de mães atípicas que enfrentam diariamente os desafios de criar filhos com deficiência. Dos 300 apartamentos, cerca de 15% são ocupados por mulheres que cuidam de crianças com autismo, paralisia cerebral, deficiência intelectual, Síndrome de Down ou surdez. O Profissão Repórter, com o repórter Everton Lucas, acompanhou histórias como a de Kátia Silva, mãe de uma criança autista, e de Kelly Vanessa, que luta para garantir tratamento adequado ao filho Bryan, portador de Síndrome de Down e em risco de cegueira.

O cotidiano dessas mulheres é marcado pela renúncia do autocuidado, pela necessidade de conciliar múltiplas funções e pela constante vigilância sobre a saúde e o bem-estar dos filhos. Mas a convivência entre essas mães cria uma rede de apoio e solidariedade, oferecendo pertencimento e alívio emocional diante de rotinas desgastantes. Entre conversas, trocas de experiências e risos compartilhados, surge um espaço de acolhimento que ajuda a tornar o dia a dia um pouco mais leve, mesmo que a luta permaneça intensa.

No litoral paulista, em Santos, a ex-professora Carol Almeida, de 37 anos, enfrenta desafios ainda mais complexos. Mãe de Lucas, de 13 anos, que tem paralisia cerebral, Carol divide seus dias entre a venda de donuts nos ônibus e os cuidados intensivos com o filho. Desde que deixou a carreira para se dedicar integralmente ao menino, ela lida com uma rotina extenuante de terapias, consultas médicas e deslocamentos diários em transporte público. Morando em um barraco no Dique da Vila Gilda, maior favela de palafitas do Brasil, Carol precisa equilibrar despesas domésticas, medicamentos e equipamentos essenciais, como ventiladores e ar-condicionado, para prevenir convulsões do filho.

O que impressiona, mais do que o esforço físico, é o peso invisível da solidão que essas mães carregam. Em um momento de desabafo, Carol confidencia: “A Carol, sem ser a Carol mãe, não existe mais”. Suas palavras revelam o dilema constante enfrentado por mães atípicas: a necessidade de abdicar de sua própria identidade para garantir o cuidado integral dos filhos, ao mesmo tempo em que lutam para preservar a esperança e a alegria em meio às adversidades.

O episódio do Profissão Repórter desta terça-feira vai além de retratar dificuldades. Ele evidencia a resiliência, a força e a capacidade de reinventar o amor que essas mulheres desenvolvem dia após dia. Ao mostrar histórias de superação, a reportagem ilumina a importância de políticas públicas de apoio, redes de acolhimento e programas de inclusão que reconheçam o valor e a complexidade da maternidade atípica.

Além dos desafios materiais e físicos, as mães atípicas enfrentam preconceito e falta de compreensão social. O olhar de estranheza em transporte público, a ausência de estrutura escolar adequada e a falta de empatia em espaços de lazer reforçam a urgência de uma sociedade mais inclusiva. Cada pequena vitória — seja uma consulta garantida, um momento de brincadeira tranquila ou a conquista de um espaço próprio de autonomia — representa um passo gigante para essas mulheres.

O programa também destaca a importância do apoio emocional e psicológico, muitas vezes negado ou inacessível. Grupos de mães, encontros comunitários e redes virtuais oferecem um espaço seguro para compartilhar frustrações, trocar estratégias e celebrar pequenas conquistas. Para Leandra, Priscila, Kátia, Kelly e Carol, esses momentos de acolhimento são essenciais para sustentar a força necessária diante de uma rotina que não permite pausas.

Ao longo da reportagem, o espectador é convidado a refletir sobre a complexidade da maternidade atípica e sobre como essas mulheres carregam responsabilidades muitas vezes invisíveis, mas fundamentais para a vida de seus filhos. O episódio mostra que, embora o desafio seja constante, a solidariedade, o amor e a esperança podem transformar o que seria apenas sofrimento em histórias de resistência, resiliência e transformação.

Em um país onde as políticas públicas ainda enfrentam lacunas significativas, o relato dessas mães revela a urgência de mais investimentos em saúde, educação inclusiva, acessibilidade e programas de suporte familiar. Cada história acompanhada pelo Profissão Repórter é um lembrete de que, por trás de cada diagnóstico, há mães que lutam silenciosamente, que reinventam seus dias e que nunca deixam de acreditar no potencial e na felicidade de seus filhos.

Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.

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