Aqui Não Entra Luz, de Karol Maia, é selecionado para o IDFA e reafirma a força do cinema documental brasileiro

Documentário Aqui Não Entra Luz chega ao IDFA e projeta as trabalhadoras domésticas brasileiras no cenário internacional

0
Foto: Reprodução/ Internet

O cinema brasileiro volta a conquistar espaço no exterior com o documentário “Aqui Não Entra Luz”, dirigido por Karol Maia. A produção, que arrebatou os prêmios de Melhor Direção e Prêmio Zózimo Bulbul no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, foi selecionada para o Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA) — considerado um dos eventos mais importantes do gênero no mundo. O longa será exibido na mostra Frontlight, dedicada a obras que refletem sobre verdade, justiça e as urgências sociais do nosso tempo.

A presença do filme no festival europeu marca uma vitória não apenas para o cinema nacional, mas também para as vozes historicamente silenciadas que ele representa. A produção mergulha na vida de mulheres negras trabalhadoras domésticas, trazendo à tona não só a luta por direitos, mas também as alegrias, afetos e sonhos que sustentam sua existência.

De senzalas aos quartos de empregada: um percurso de memória e afeto

O projeto nasceu em 2017, a partir de uma pesquisa pessoal da diretora sobre a arquitetura das senzalas e dos quartos de empregada — espaços físicos que, ao longo da história, traduzem as marcas do racismo e da desigualdade no Brasil. A princípio, o foco era investigar como o passado escravocrata ainda molda a organização doméstica contemporânea. Mas, conforme o processo avançava, o documentário ganhou novos contornos.

“Comecei interessada em entender o espaço, o quarto, o símbolo. Mas, no caminho, percebi que estava diante de algo muito maior — de histórias vivas, de mulheres que continuam sendo o pilar do país. Esse filme foi se transformando junto comigo. No fim, é um filme sobre amor, resistência e ancestralidade”, explica Karol.

A diretora destaca que sua intenção foi construir uma narrativa a partir da escuta — permitindo que as próprias trabalhadoras contassem suas trajetórias, suas dores e, sobretudo, suas conquistas. “A história do Brasil costuma ser contada de cima para baixo. Quis inverter esse olhar e dar o protagonismo a quem sempre sustentou tudo, mas quase nunca teve voz”, completa.

Um retrato de força, alegria e sobrevivência

Distribuído pela Embaúba Filmes, o documentário propõe uma abordagem sensível, evitando clichês ou discursos de vitimização. Em vez disso, o documentário celebra a vitalidade e o poder das mulheres retratadas — sua capacidade de criar beleza e esperança mesmo nas condições mais adversas.

A crítica especializada tem reconhecido essa delicadeza. Para Maria do Rosário, da Revista de Cinema, a obra “herda o melhor do espírito de Eduardo Coutinho, dando às personagens a chance de narrar suas próprias vidas com encanto e profundidade”. Ela destaca ainda o talento da diretora em encontrar, junto à pesquisadora Isabella Santos, quatro mulheres carismáticas “dotadas do poder da fabulação”.

Em cada depoimento, o espectador é convidado a refletir sobre o Brasil que existe dentro das casas — aquele onde a desigualdade social convive com gestos de afeto, e onde a rotina das trabalhadoras domésticas revela não apenas sobrevivência, mas também dignidade e sabedoria.

Uma trajetória que continua iluminando caminhos

Com sua exibição no IDFA, o documentário se insere no circuito internacional de produções que desafiam o olhar e ampliam o entendimento sobre o mundo. Para Karol Maia, mais do que um prêmio, a conquista representa um gesto de reparação simbólica: “Essas mulheres merecem ser vistas e celebradas. São elas que, há séculos, mantêm o país de pé. A luz que o título menciona pode não entrar nos quartos, mas vem de dentro delas, e é essa luz que o filme quer mostrar.”

COMENTE

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui