
Nesta sexta-feira (07), a plataforma FILMICCA traz uma estreia que promete encantar os fãs do cinema francês contemporâneo: A Batalha de Solferino (2013), primeiro longa-metragem da premiada cineasta Justine Triet, vencedora do Oscar® de Melhor Roteiro Original por Anatomia de uma Queda (2023). Mais de uma década após seu lançamento, o filme retorna aos holofotes com a força de quem nunca perdeu atualidade — uma obra vibrante, caótica e profundamente humana, que já anunciava o talento arrebatador de sua diretora.
O nascimento de uma autora poderosa
Antes de se tornar um dos nomes mais comentados do cinema mundial, Justine Triet estreou atrás das câmeras com uma proposta ousada: filmar o caos da vida real sem filtros. Em A Batalha de Solferino, ela combina drama, humor e um toque documental para capturar a efervescência de um dia histórico na França — 6 de maio de 2012, data do segundo turno das eleições presidenciais que levaram François Hollande ao poder.
Triet aproveitou a atmosfera genuína das ruas de Paris tomadas por jornalistas, eleitores e manifestantes para construir um retrato de país em transformação. Mas o foco do filme não está na política, e sim em Laetitia, uma jornalista que tenta conciliar o trabalho em meio à multidão com a vida pessoal em ruínas.
Uma mulher entre o dever e o desespero
Interpretada pela talentosa Laetitia Dosch, a protagonista é uma repórter enviada para cobrir a movimentação do Partido Socialista no coração da capital francesa. Enquanto tenta manter a compostura profissional diante das câmeras, sua vida desaba fora do enquadramento: o ex-marido Vincent (vivido por Vincent Macaigne) aparece de surpresa, exigindo ver as filhas pequenas.
A partir daí, Triet transforma o filme num campo de batalha — não apenas político, mas emocional. De um lado, a mulher que precisa cumprir o trabalho; do outro, a mãe e ex-esposa que tenta impedir que o drama familiar invada o espaço público. Em meio a microfones, gritos e celulares tocando, a fronteira entre o íntimo e o coletivo se desfaz.
Filmado no calor dos acontecimentos
Um dos aspectos mais fascinantes de A Batalha de Solferino é o modo como foi produzido. Triet decidiu filmar as cenas durante o próprio dia das eleições, misturando atores, figurantes e cidadãos reais nas ruas tomadas pela euforia política. O resultado é um retrato de Paris em tempo real — vibrante, imprevisível e cheio de energia.
A câmera se move sem descanso, acompanhando Laetitia enquanto ela corre, tropeça, responde mensagens e tenta manter o controle em meio à multidão. Há algo de hipnótico em observar essa mulher sendo engolida pela própria rotina, cercada por câmeras e gritos, mas ainda assim tentando continuar. É o tipo de caos que só o cinema de Justine Triet consegue transformar em poesia.
Caos, humor e verdade
Triet tem uma habilidade rara de encontrar beleza na desordem. Seu olhar não julga os personagens — apenas os observa, com empatia e honestidade. Laetitia não é heroína nem vítima. Ela é humana: falha, cansada, contraditória. E é justamente essa humanidade que torna o filme tão poderoso.
Mesmo com um ritmo frenético, A Batalha de Solferino encontra espaço para momentos de humor e ternura. As discussões entre Laetitia e Vincent oscilam entre o trágico e o cômico, como se o filme nos lembrasse que a vida raramente cabe em um único tom.
Triet não suaviza o retrato da maternidade, tampouco idealiza a mulher moderna. Pelo contrário: mostra o peso da sobrecarga, o desespero silencioso e o cansaço físico e emocional de quem tenta fazer tudo ao mesmo tempo. É um filme que abraça o caos com afeto — e, por isso mesmo, emociona.
Reconhecimento internacional
Quando estreou na seção ACID do Festival de Cannes, A Batalha de Solferino foi imediatamente saudado pela crítica. O longa recebeu indicação ao Prêmio César de Melhor Primeiro Filme e foi incluído pela revista Cahiers du Cinéma entre os melhores títulos de 2013.
Esses reconhecimentos não foram apenas uma estreia promissora: foram o prenúncio de uma carreira brilhante. Em poucos anos, Justine Triet consolidou-se como uma das vozes mais originais do cinema francês, explorando as complexidades da vida urbana, das relações amorosas e da identidade feminina em filmes como Victoria (2016) e Sybil (2019), culminando com o sucesso mundial de Anatomia de uma Queda.
















