Crítica | Caramelo transforma um vira-lata em símbolo de redenção e humanidade

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O mais recente sucesso nacional da Netflix, Caramelo, dirigido por Diego Freitas, chega com a aura de um “filme que emociona” — e, de fato, emociona. Mas por trás da superfície acolhedora e das belas paisagens praianas, há uma obra que tenta equilibrar ambição estética, crítica social e um apelo popular que beira o previsível. O resultado é um longa sensível e tecnicamente competente, ainda que, por vezes, excessivamente dependente do afeto fácil.

O enredo gira em torno de Pedro (Rafael Vitti), um chef de cozinha que, ao receber um diagnóstico de saúde inesperado, se vê obrigado a rever suas prioridades. Sua jornada — que parte do concreto sufocante de São Paulo rumo ao litoral — é construída como um espelho emocional: o cinza urbano traduz o colapso interior, enquanto o mar se torna símbolo de renascimento. Essa estrutura visual funciona bem, mas também evidencia certa obviedade simbólica.

Freitas faz da geografia um componente narrativo, e nisso demonstra domínio visual. No entanto, a transição entre os dois mundos — o da culpa e o da cura — é menos orgânica do que o filme gostaria. Em muitos momentos, Caramelo parece mais interessado em “parecer profundo” do que em deixar que suas camadas existenciais se revelem de forma natural.

A força da contenção — e o risco da melancolia excessiva

A direção acerta ao adotar uma estética intimista, com câmera próxima, luz natural e silêncios que sugerem mais do que dizem. Essa escolha confere autenticidade ao drama, especialmente nas cenas que evitam o melodrama explícito. Contudo, a busca por sutileza às vezes resvala no contrário: um ritmo contemplativo que enfraquece a progressão dramática.

Freitas parece admirar o cinema de observação — e, de fato, há ecos de Cuarón e Dolan em suas escolhas formais —, mas o resultado é irregular. O filme brilha quando se contém, mas tropeça quando tenta sublinhar o óbvio: a fragilidade humana e o poder do afeto não precisam ser reiterados em cada gesto ou olhar.

Amendoim: mais símbolo do que personagem

O título e o cão Amendoim, um típico vira-lata caramelo, são o coração e a metáfora do longa. Ele representa o afeto puro, a segunda chance, a simplicidade que salva o homem moderno de si mesmo. É uma leitura válida e emocionalmente eficaz, mas também previsível. O filme trata o animal quase como uma entidade redentora, sem lhe conceder uma verdadeira presença narrativa.

Ainda assim, a relação entre Pedro e Amendoim é o ponto mais genuíno da obra. Há ternura sem pieguice e uma química natural que evita o sentimentalismo barato. O cão, mesmo simbólico, ancora o protagonista em algo real — e é justamente essa troca silenciosa que salva o filme de mergulhar de vez na autoindulgência.

Atuações sólidas, mas roteiro hesitante

Rafael Vitti entrega talvez sua atuação mais madura até aqui, fugindo de gestos fáceis e encontrando no silêncio o peso da transformação. Arianne Botelho e Kelzy Ecard complementam o elenco com presença discreta, mas eficiente. O problema está menos nas performances e mais na condução do texto: há um esforço nítido em criar um cinema “universal”, que fale de amor, perda e reconciliação, mas em alguns trechos o roteiro perde o foco entre o íntimo e o simbólico.

“Caramelo” quer ser poesia visual, mas em certos momentos se aproxima de um manual de autoajuda ilustrado — uma armadilha comum a dramas existenciais recentes. Falta-lhe a coragem de abraçar o desconforto, de explorar com mais contundência o que há de feio e contraditório no processo de cura.

Entre o doce e o amargo

É inegável, contudo, que o filme encontra ressonância no público. Ao alcançar o Top 10 global da Netflix, Caramelo comprova que há espaço para produções brasileiras sensíveis e autorais, ainda que feitas sob o olhar de um streaming que exige apelo universal. É um produto bem acabado, com fotografia belíssima e um discurso emocional acessível — qualidades que explicam sua popularidade, mas que também limitam sua ousadia artística.

Um passo adiante, mas ainda seguro demais

No fim, Caramelo é um filme que fala de humanidade com sinceridade, embora sem arriscar o desconforto que o tema mereceria. É doce, visualmente encantador e conduzido com competência, mas falta-lhe o amargor que tornaria sua reflexão realmente inesquecível.

Diego Freitas demonstra domínio técnico e sensibilidade narrativa — o que já é muito. Mas ao tentar equilibrar arte e apelo popular, o longa acaba preso entre duas intenções: ser um drama universal ou um retrato verdadeiramente humano.

Avaliação geral
Nota do crítico
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Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.
critica-caramelo-transforma-um-vira-lata-em-simbolo-de-redencao-e-humanidadeO filme Caramelo, dirigido por Diego Freitas, se destaca por sua sensibilidade e pela tentativa de unir drama existencial e apelo popular, mas nem sempre alcança o equilíbrio entre emoção e profundidade. A trama acompanha Pedro (Rafael Vitti), um chef de cozinha que, após um diagnóstico de saúde, parte em uma jornada de autodescoberta ao lado do cão Amendoim, um vira-lata caramelo que simboliza afeto e redenção.

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