
Alguns filmes não precisam de efeitos grandiosos para nos atravessar — basta um olhar, um silêncio, um gesto que denuncia tudo o que a sociedade insiste em esconder. Seu Nome Gravado em Mim, dirigido por Patrick Kuang-Hui Liu e disponível na Netflix, é esse tipo de obra: um romance delicado, devastador e necessário, que transforma o amor entre dois garotos em uma espécie de resistência poética diante da intolerância.
Ambientado em Taiwan no final dos anos 1980, logo após o fim da lei marcial, o longa retrata uma geração que começava a respirar liberdade, mas ainda estava aprisionada por dogmas morais e religiosos. É um país tentando se reconstruir, e dentro dele, dois jovens tentando descobrir quem são. Chang Jia-han (Edward Chen) e Wang Po Te, o Birdy (Tseng Jing-hua), vivem uma amizade que nasce na inocência, cresce em cumplicidade e, inevitavelmente, se transforma em algo mais profundo. Mas, em um colégio católico militarizado, o amor entre dois meninos não é apenas proibido — é uma afronta.
O filme não tem pressa em se explicar. Ele observa, com um lirismo silencioso, o despertar do afeto entre os protagonistas. Há algo de dolorosamente real na maneira como Patrick Liu filma a juventude: a vergonha que se confunde com desejo, o riso nervoso que esconde medo, o toque que dura um segundo a mais do que o permitido. Tudo é construído com uma naturalidade quase documental, como se estivéssemos invadindo um diário íntimo.

Mas Seu Nome Gravado em Mim não é apenas uma história de amor. É, acima de tudo, um retrato político — e o faz sem precisar discursar. A presença opressora da Igreja, a vigilância dos militares, os colegas que transformam homofobia em rito de masculinidade… tudo revela um sistema inteiro moldado para esmagar qualquer desvio de comportamento. É um filme sobre corpos e emoções que não cabem no molde.
A grande força da narrativa está na sua recusa ao espetáculo. Quando o amor entre A-han e Birdy finalmente se concretiza, não há trilha triunfante nem final feliz — há culpa, dor e o peso do que não pode ser vivido. Essa honestidade é o que o diferencia de muitos dramas LGBT que recorrem ao sentimentalismo fácil. Patrick Liu filma o amor como algo belo, mas também brutal, onde ternura e sofrimento coexistem.
Edward Chen entrega uma das atuações mais comoventes do cinema asiático recente. Sua performance é contida, mas carregada de sentimento; o olhar dele diz o que as palavras não podem. Tseng Jing-hua, por sua vez, é a personificação do medo: um jovem dividido entre o desejo e o instinto de sobrevivência. Juntos, eles formam um par que não precisa de grandes gestos — basta o silêncio compartilhado para entendermos tudo.
A fotografia, com tons frios e melancólicos, traduz o vazio de um mundo que não permite cor. As cenas externas — especialmente a viagem dos dois a Taipei — funcionam como um respiro simbólico, um momento de fuga, antes que o peso da realidade volte a cair sobre eles. A trilha sonora, liderada pela belíssima canção “Your Name Engraved Herein”, serve como cicatriz sonora de um amor interrompido.
A maturidade do roteiro aparece, sobretudo, na forma como o tempo é tratado. Anos depois, quando os protagonistas se reencontram já adultos, não há revanche, nem catarse. Apenas a constatação de que o amor resistiu — e de que o mundo, talvez, tenha mudado tarde demais. Essa escolha é poderosa porque subverte a expectativa de final romântico: o filme prefere o real ao ideal.
Seu Nome Gravado em Mim é, portanto, uma ferida aberta. Fala sobre o que acontece quando a sociedade transforma afeto em pecado e juventude em culpa. Mas também fala sobre sobrevivência, sobre o ato de seguir amando mesmo quando isso significa se esconder. Em uma era em que ainda há quem negue o direito de existir, o filme de Patrick Liu soa urgente, atual e profundamente humano.





