
Há franquias que sobrevivem apenas de nostalgia — e há aquelas que, de vez em quando, decidem arriscar. Predador: Terras Selvagens (Predator: Badlands, no original) faz parte do segundo grupo. Dirigido por Dan Trachtenberg, o mesmo que revitalizou a saga com O Predador: A Caçada (2022), o novo longa chega aos cinemas com uma proposta ousada: transformar o próprio caçador alienígena no protagonista da história. O resultado é um filme visualmente arrebatador, narrativamente intrigante e emocionalmente inesperado.
Lançado pela 20th Century Studios, o filme estreou mundialmente em 3 de novembro de 2025, no tradicional TCL Chinese Theatre, e chegou aos cinemas do Brasil e Portugal em 6 de novembro. Estrelado por Elle Fanning e Dimitrius Schuster-Koloamatangi, o longa é o sexto filme em live-action da franquia e o nono capítulo geral do universo Predador. Mas, apesar de carregar uma longa linhagem de sangue e adrenalina, Terras Selvagens quer mais do que repetir a velha fórmula de caça e sobrevivência.
O caçador como protagonista
Desde o início, fica claro que Trachtenberg quer redefinir o olhar sobre o Yautja — a criatura que sempre foi retratada como um símbolo da brutalidade e do medo. Aqui, ele ganha um papel central e quase trágico. Ao invés de caçar por esporte, o Predador é colocado diante de uma crise moral: o que significa ser caçador em um mundo onde a presa não é mais apenas uma vítima, mas um espelho?
Transformar um ícone do terror e da ficção científica em personagem dramático é uma jogada arriscada, mas o diretor assume o desafio com seriedade. Através de uma combinação impressionante de efeitos práticos, captura de movimento e CGI, o Yautja ganha expressão e profundidade nunca antes vistas. Há humanidade em seu olhar, hesitação em seus gestos, quase empatia em seus silêncios. O design da criatura é espetacular — mandíbulas que se contraem ao respirar, músculos que tremem com emoção, olhos que reagem com sutileza. Pela primeira vez, o público sente que está diante de algo vivo, e não apenas de um vilão mascarado.

Um roteiro que arrisca — e acerta
O roteiro do filme é simples na superfície, mas cheio de camadas simbólicas. Trachtenberg parte de uma pergunta aparentemente banal — “O que é caçar?” — para construir uma reflexão sobre moralidade, sobrevivência e transformação. A estrutura lembra uma fábula de guerra: direta, previsível em alguns pontos, mas conduzida com uma firmeza admirável.
O prólogo, aliás, é um exemplo do equilíbrio entre espetáculo e significado. Nele, a selva alienígena é quase um personagem próprio — vibrante, ameaçadora e lindamente fotografada. O filme abraça o gênero de sobrevivência, mas também brinca com a contemplação. Há momentos de silêncio que dizem mais do que qualquer explosão. A ação é brutal, mas nunca gratuita: cada combate carrega peso emocional e moral.
Tecnicamente, Terras Selvagens é uma conquista. A fotografia mistura tons terrosos e frios para criar um contraste entre natureza e tecnologia, selvageria e racionalidade. O uso da câmera é imersivo, quase documental, colocando o espectador dentro da selva, sentindo o calor e o perigo junto ao protagonista.
As cenas de ação são impecavelmente coreografadas, mas o que impressiona mesmo é o cuidado com o ambiente. As criaturas nativas, a vegetação, os sons — tudo contribui para a sensação de estar em um ecossistema vivo, hostil e fascinante. É um filme que entende a importância da imersão, algo que a franquia havia perdido em seus capítulos mais recentes.
Elle Fanning e o contraponto humano
Em meio a essa jornada quase existencial, Elle Fanning surge como o elo entre humanidade e criatura. Ela interpreta uma exobiologista que, por acaso, cruza o caminho do Yautja e se torna sua inesperada aliada. Sua performance é sutil, equilibrada e cheia de nuances — uma presença que não tenta roubar a cena, mas complementa a trajetória do verdadeiro protagonista.
Já Dimitrius Schuster-Koloamatangi representa o olhar humano sobre a brutalidade. Seu personagem funciona como espelho do que o Predador já foi e, talvez, ainda tema ser. Ambos os atores contribuem para manter a narrativa ancorada, evitando que o filme se torne puramente abstrato.

Um “Predador” diferente — e necessário
Talvez o maior mérito de Predador: Terras Selvagens seja entender que o público de 2025 não é o mesmo dos anos 1980. O mundo mudou — e o cinema de ação também. A violência gratuita, antes celebrada, hoje cede espaço para o questionamento. O Predador ainda é brutal, sim, mas agora ele também é vulnerável. O filme fala sobre honra, empatia e o fardo de existir em um universo que só entende força.
Essa virada pode desagradar aos fãs que esperam pura carnificina, mas há coragem em desafiar expectativas. Trachtenberg não faz um filme “sobre o monstro”, mas sobre o que o monstro representa — e isso é o que torna Terras Selvagens mais interessante do que qualquer sequência que veio antes.
Vale a pena assistir?
Definitivamente. Predador: Terras Selvagens é o tipo de sequência que não apenas respeita a mitologia que herdou, mas também se atreve a evoluí-la. É um filme maduro, tecnicamente impecável e, acima de tudo, emocionalmente envolvente. Não é o capítulo mais sangrento da franquia — mas é o mais humano.
Dan Trachtenberg entrega uma experiência que mistura ação, introspecção e beleza visual em doses equilibradas. O terror da caça dá lugar à reflexão sobre empatia e sobrevivência. E, no fim, talvez o maior triunfo de Terras Selvagens seja justamente este: transformar um monstro em espelho — e fazer o público se reconhecer nele.





