
Uma vila à beira-mar onde os dias parecem repetidos, os rostos familiares se tornam estranhos e uma lenda antiga ronda cada esquina. É nesse cenário aparentemente tranquilo, mas recheado de camadas ocultas, que se desenrola “Baía dos Lagartos”, novo romance do autor brasileiro Wilson Roberto Costa.
O livro não apenas flerta com o terror e o suspense sobrenatural — ele mergulha profundamente em questões humanas e existenciais. Quem somos quando ninguém está olhando? E se algo — ou alguém — idêntico a você estivesse vagando por aí, com seus gestos, sua voz, mas intenções que você não ousaria ter?
Ecos de um passado que se recusa a morrer
Na trama, acompanhamos Daniel, um homem que retorna à vila onde passou a infância, após anos afastado, para visitar o avô Tadeu, um senhor excêntrico com fama de contar histórias improváveis. Só que dessa vez, o velho parece convencido de que existe algo real por trás da lenda que persegue sua família há décadas: a presença de doppelgängers — cópias perfeitas de pessoas reais que atravessam uma fenda invisível na região, misturando-se silenciosamente entre os habitantes.
O ponto central da investigação é um objeto insólito: um lagarto de madeira com duas cabeças, supostamente ligado ao portal que separa os dois mundos. Obcecado em encontrar o artefato e provar sua teoria, Tadeu recorre a Ruy Gill, um detetive particular de reputação modesta, mas com curiosidade de sobra.
O que parecia um delírio de um senhor envelhecido logo se transforma em uma espiral de eventos inexplicáveis. Rostos duplicados, histórias que se repetem, pessoas que desaparecem. O próprio Daniel começa a duvidar da própria memória — e da realidade à sua volta.
Suspense que respira maresia
Wilson Roberto Costa não economiza nos detalhes sensoriais. A vila descrita em Baía dos Lagartos tem cheiro de sal, o calor é quase tátil, e o som das ondas se mistura com o suspense crescente. Mas o verdadeiro terror está na construção psicológica. Ao contrário de sustos fáceis, o autor opta por um suspense silencioso, atmosférico, onde o medo se instala devagar — e permanece mesmo quando o livro é fechado.
Entre os pontos altos da narrativa está o modo como Costa trabalha o legado familiar. O medo que perpassa gerações, os segredos que não foram ditos, as culpas que se acumulam em silêncio. Há um peso emocional sutil, que torna o horror ainda mais potente: não estamos apenas diante de uma vila com fenômenos inexplicáveis — estamos diante de uma história sobre pertencimento, identidade e o que se herda além do sangue.
Literatura nacional com fôlego internacional
Em um mercado cada vez mais receptivo a obras que misturam gêneros, Baía dos Lagartos se destaca por sua originalidade e ambição narrativa. O romance dialoga com o suspense clássico, mas com um ritmo próprio, ancorado em personagens complexos e numa mitologia que parece brotar naturalmente do chão brasileiro.
















