Nesta quinta-feira (9), o Conversa com Bial apresenta um dos episódios mais emocionantes da temporada. O convidado da vez é Carlinhos de Jesus, bailarino e coreógrafo consagrado que há mais de cinco décadas traduz a alma do Brasil em passos, ritmos e sorrisos. No programa exibido pela Globo e pelo GNT, Carlinhos compartilha histórias de vida, arte e fé — em uma conversa profunda, marcada por emoção, gratidão e coragem diante das adversidades.

A entrevista começa com um tema delicado. Carlinhos revela que, há alguns meses, começou a sentir dores intensas na perna direita e dificuldade para se equilibrar. O incômodo o levou ao hospital, onde recebeu o diagnóstico de neuropatia radiculopatia desmielinizante crônica, uma doença autoimune que afeta os nervos periféricos, comprometendo a coordenação motora e a sensibilidade.

“Quando escutei o nome da doença, pensei: vou ter que aprender a falar isso direito, porque é algo com que vou conviver”, contou o artista, em tom leve, mas consciente da gravidade da condição. “Os nervos vão perdendo o revestimento e, com isso, a comunicação do corpo se rompe. É como se a ligação entre o cérebro e as pernas fosse ficando falha. Mas o mais importante é que a vida continua, e eu continuo dançando — de outro jeito, mas dançando.”

Mesmo com limitações físicas, Carlinhos mostra uma serenidade admirável. Ele explica que o diagnóstico não tem relação direta com sua trajetória como bailarino, e que aprendeu a ver na adversidade uma oportunidade de redescoberta. “A dança me ensinou que qualquer corpo dança. O corpo pode mudar, o ritmo pode ser outro, mas a vontade de se expressar é o que faz a diferença.”

A dança como resistência e inclusão

Dono de uma trajetória que mistura talento e pioneirismo, Carlinhos de Jesus fala com entusiasmo sobre a força transformadora da dança. Ele recorda experiências marcantes de quando decidiu incluir pessoas com deficiência em seus projetos, muito antes de o tema da acessibilidade ser amplamente discutido no país.

“Nos anos 1980, comecei a trabalhar com pessoas com Síndrome de Down, deficiência visual, auditiva e física. Nunca pensei ‘elas não podem dançar’. A pergunta era sempre: ‘o que posso criar com o que elas têm?’”, relembra. Essa filosofia inclusiva, que rompeu barreiras e preconceitos, tornou-se uma das marcas de seu trabalho.

Para o artista, a dança é mais do que movimento — é linguagem, afeto e encontro. “Quando dançamos, nos comunicamos sem palavras. A dança é o gesto do coração. Ela cura, conecta e transforma”, afirma, emocionado.

Das ruas do subúrbio aos grandes palcos

Nascido em Marechal Hermes e criado em Cavalcanti, bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, Carlinhos cresceu em meio à efervescência cultural das ruas cariocas. Ali, entre rodas de samba e bailes de gafieira, descobriu sua vocação. Com o tempo, tornou-se um dos principais divulgadores da dança de salão brasileira, levando o ritmo e o gingado nacionais aos palcos do mundo inteiro.

Hoje, é diretor da Casa de Dança Carlinhos de Jesus, localizada em Botafogo, referência para quem busca aprender os mais diversos estilos. O espaço não é apenas uma escola, mas um ponto de encontro para quem acredita que dançar é viver. Dali também sai, todos os anos, o tradicional bloco de carnaval “Dois pra lá, dois pra cá”, que desde 1991 arrasta multidões pelas ruas de Copacabana, celebrando a alegria e a diversidade da cultura carioca.

“Meu maior prazer é ver pessoas de todas as idades e corpos dançando juntas. A dança é democrática, é um retrato do nosso povo”, conta com orgulho.

Tragédias pessoais e força interior

A trajetória vitoriosa de Carlinhos também foi marcada pela dor. Em 2011, ele perdeu o filho, Carlos Eduardo Mendes de Jesus, conhecido como Dudu, assassinado a tiros na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A tragédia comoveu o país e deixou o coreógrafo devastado.

“Foi a dor mais insuportável que um pai pode sentir. A dança me salvou. Ela me deu força para continuar e transformar o luto em amor. Quando a música toca, sinto que ele está ali comigo, dançando em outro plano”, disse, em um dos momentos mais tocantes da entrevista.

Essa espiritualidade, aliada à fé e à arte, é o que mantém Carlinhos de pé — mesmo diante de tantos desafios. “A gente não escolhe o que vai viver, mas escolhe como vai reagir. Eu escolhi continuar dançando”, afirma.

O mestre das comissões de frente

Quem acompanha o carnaval carioca sabe que o nome de Carlinhos de Jesus é sinônimo de espetáculo e criatividade. Ele começou a trabalhar na Estação Primeira de Mangueira em 1998, e suas coreografias para as comissões de frente marcaram época, encantando jurados e público. Ao longo dos anos, também colaborou com escolas como Beija-Flor, Império Serrano, Vila Isabel, União da Ilha e Portela, sempre imprimindo seu estilo único — elegante, teatral e profundamente brasileiro.

“O carnaval é o maior palco do mundo. É arte, é cultura, é resistência. E, acima de tudo, é emoção. A dança dentro do samba é uma explosão de alma”, comenta.

Fé, pandemia e recomeço

Em 2020, durante o auge da pandemia, Carlinhos testou positivo para a Covid-19, junto com sua esposa. O casal enfrentou a doença com fé e serenidade, em isolamento domiciliar. O episódio o fez repensar ainda mais o valor da vida, da saúde e das pequenas alegrias do cotidiano.

Nos anos seguintes, ele seguiu se reinventando artisticamente. Em 2025, assinou a coreografia do espetáculo musical “Chatô e os Diários Associados – 100 anos de paixão”, escrito por Fernando Morais e Eduardo Bakr e dirigido por Tadeu Aguiar. A produção celebrou a história da imprensa brasileira e mostrou que o coreógrafo continua ativo, criativo e envolvido com a cena cultural do país.

Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.

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