
Logo nos primeiros minutos de Amores Materialistas, uma certeza se impõe: algo está profundamente fora do lugar. Uma cena inicial de homens das cavernas — sim, homens das cavernas — tenta lançar alguma metáfora sobre desejos primitivos, evolução social ou instinto amoroso. O problema é que essa sequência se torna, ironicamente, o momento mais honesto do filme. Tudo o que vem depois se perde em uma encenação que, embora tente parecer sofisticada, não consegue esconder sua essência: um romance esvaziado, montado sob a lógica de um algoritmo, onde cada batida emocional parece pré-programada para maximizar cliques e agradar investidores.
Sob a direção de Celine Song, cujo trabalho anterior (Vidas Passadas) comoveu plateias mundo afora por sua delicadeza e humanidade, era de se esperar uma obra que, ao menos, soubesse lidar com silêncios, olhares e hesitações — elementos que ela soube transformar em poesia. Mas Amores Materialistas é o exato oposto. Aqui, o silêncio não comunica, apenas se arrasta. Os personagens não hesitam; eles travam. O amor não floresce — é mecanicamente colocado em cena como um produto qualquer de consumo rápido, sem alma, sem risco, sem verdade.
Entre closes e clichês: um romance solitário
Uma das decisões mais desastrosas da direção é a insistência em filmar os protagonistas quase sempre em planos fechados e isolados, como se estivessem em monólogos paralelos. O famoso “plano e contraplano”, ferramenta clássica para criar conexão e tensão entre dois personagens, é tratado aqui como um luxo dispensável. Resultado? Um romance visualmente desarticulado, que transmite mais afastamento do que aproximação. É como se o filme tivesse medo de deixar seus personagens, e o público, se envolverem de fato.
Essa escolha de linguagem não seria um problema se viesse acompanhada de diálogos fortes ou de uma proposta ousada de desconstrução romântica. Mas o que temos é uma sucessão de falas truncadas, longos silêncios sem função narrativa e uma superficialidade emocional gritante. O romance se desenrola como um jogo de tabuleiro sem jogadores: as peças se movem porque é o que o roteiro exige, não porque algo real esteja sendo vivido ou sentido.
Quando a autoconsciência sufoca a emoção
Há também um desejo constante do roteiro de parecer mais inteligente do que realmente é. A comédia romântica autoconsciente, que ironiza seus próprios clichês, já foi bem explorada por filmes como 500 Dias com Ela ou Ruby Sparks. No caso de Amores Materialistas, no entanto, essa tentativa se torna um peso. O filme quer ser sarcástico e profundo ao mesmo tempo, mas esquece de ser, antes de tudo, minimamente engraçado ou comovente.
Os protagonistas — que deveriam conduzir o espectador por essa jornada amorosa — parecem existir num vácuo. São pessoas sem vínculos afetivos, sem amigos, sem vida além do roteiro. A impressão é que o filme esqueceu de dar contexto aos seus personagens, confiando que o carisma dos atores e a bela fotografia dariam conta do recado. Não deram.

Um romance sobre o nada — com celebridades demais
É inevitável a comparação com Vidas Passadas, justamente porque Celine Song parecia ser a cineasta perfeita para repensar o amor em tempos modernos. Naquele filme, ela mostrou que ainda há espaço para histórias sensíveis, de dor e reencontro, que fogem dos binarismos hollywoodianos. Já Amores Materialistas representa tudo o que Vidas Passadas não era: um produto calculado, com casting estrelado (e, curiosamente, carregado de nomes da Marvel) e um roteiro formatado para testes de audiência, não para a verdade emocional.
O que mais dói não é o fracasso da comédia ou o vazio do romance, mas o potencial desperdiçado. Celine Song poderia ter escolhido qualquer caminho após sua estreia brilhante — uma história mais íntima, um projeto autoral, ou até mesmo um salto ousado para outro gênero. Ao aceitar dirigir Amores Materialistas, parece ter embarcado num projeto que contradiz tudo o que sua arte representava.
Essa é a velha armadilha hollywoodiana: transformar diretores com voz própria em engrenagens de uma máquina que privilegia previsibilidade em detrimento da autenticidade. E o público, cada vez mais atento e exigente, sente quando isso acontece.
Uma crítica à indústria — que o próprio filme reforça
O título Amores Materialistas até poderia funcionar como uma crítica à forma como o amor é vendido como mercadoria nos dias de hoje. Poderia. Mas o filme nunca se aprofunda nesse comentário social. Em vez disso, parece apenas reforçar o materialismo que finge criticar: há mais fetiche por apartamentos modernos, roupas de grife e diálogos vazios do que qualquer reflexão real sobre sentimentos ou escolhas.
Enquanto isso, personagens femininas são reduzidas a vetores de desejo, e os homens dividem-se entre o arrogante bem-sucedido e o sensível-sem-rumo — dois arquétipos esgotados, que já não surpreendem ninguém. Mesmo as tramas paralelas, que poderiam oferecer algum alívio cômico ou humanização, são apenas ruído. O que resta, ao final, é a sensação de que tudo foi uma grande tentativa de embalar um presente bonito, mas vazio.
Amar é verbo, não fórmula
Amores Materialistas fracassa como comédia, falha como romance e decepciona como cinema. É um filme que parece não confiar em sua própria história, nem em seu público. A produção aposta em fórmulas que já não funcionam e esquece que, para contar uma boa história de amor, é preciso mais do que um par de rostos bonitos e uma trilha sonora genérica. É preciso conexão, conflito, verdade — tudo o que Celine Song já mostrou saber fazer, mas que aqui parece ter sido suprimido por decisões comerciais mal calculadas.
Mais do que um filme ruim, Amores Materialistas é um sintoma de algo maior: o modo como a indústria tenta transformar até o sentimento mais essencial em uma planilha de retorno financeiro. E nessa equação, quem perde não são só os cineastas ou o público — perde também o próprio cinema, que deixa de ser arte para virar apenas estratégia de marketing.
Em tempos onde se consome tudo com pressa, talvez não seja coincidência que o filme mais vazio seja também aquele que mais tenta parecer importante. Mas autenticidade não se forja. E o amor — mesmo o fictício — precisa, no mínimo, parecer real. Neste caso, não parece.
















