“Eu amo meu marido e vou ficar com ele para sempre.” Com essa frase enigmática, Anora abre caminho para um mergulho profundo nas complexidades da vida e da identidade. Sob a direção brilhante de Sean Baker, conhecido por capturar com maestria a essência humana, o filme transcende o comum, entregando uma experiência repleta de performances emocionantes e um roteiro que equilibra humor e tragédia com precisão quase cirúrgica.
O enredo é uma releitura contemporânea e nada convencional da história da Cinderela. No entanto, em vez de sapatinhos de cristal e bailes luxuosos, encontramos uma narrativa moldada pelas nuances do cotidiano e das emoções humanas. Baker troca os estereótipos e cria um mundo autêntico, habitado por personagens peculiares e multidimensionais que desafiam expectativas.
No centro da história está Ani (interpretada de forma magnética por Mikey Madison), uma jovem que vive subjugada pelas expectativas alheias. Resignada a uma vida de conformismo, ela encontra em um gesto inesperado de carinho a centelha para sonhar com algo maior. Mas o filme não oferece respostas fáceis: enquanto Ani anseia por uma conexão genuína, sua experiência de vida a condicionou a desconfiar de toda bondade desinteressada.
A chegada de Igor, um personagem que personifica gentileza autêntica, intensifica o conflito interno de Ani. Em um mundo onde cada gesto parece ter um preço, ela luta para discernir entre sinceridade e manipulação. É um comentário poderoso sobre a maneira como traumas moldam percepções e sobre como a sociedade pode sufocar a pureza de um gesto altruísta.
No clímax emocional do filme, Ani desaparece, dando lugar à nova identidade de Anora. A transformação simboliza não apenas um renascimento, mas também a luta constante para acreditar que a felicidade é algo que ela pode, sim, merecer. É um momento silencioso, mas avassalador, em que Anora começa a sonhar com um futuro diferente — não como um reflexo das expectativas dos outros, mas como a arquiteta de sua própria vida.
Mikey Madison entrega uma atuação extraordinária. Sua interpretação é crua, vulnerável e absolutamente cativante, evocando comparações com grandes performances do cinema contemporâneo. Madison dá vida a Ani/Anora de uma forma que nos faz sentir cada dor, dúvida e esperança da personagem. É uma atuação que certamente será lembrada por anos.
Sean Baker, por sua vez, demonstra mais uma vez por que é um dos diretores mais talentosos de sua geração. Ele constrói um universo que respira autenticidade e que continua a nos intrigar mesmo após os créditos finais. Com Anora, Baker entrega uma obra que é sensual, engraçada, devastadora e profundamente humana.
Anora não é apenas um filme; é uma experiência. Ele nos desafia a refletir sobre nossas próprias vidas, nossos preconceitos e a maneira como enxergamos os outros. É um lembrete poderoso de que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a capacidade de sonhar e de se reinventar permanece viva.
Um brinde a Sean Baker por nos oferecer uma obra-prima que ficará gravada na memória e no coração.