
Em Até o Céu se Engana, Aziz Ansari prova mais uma vez que o humor pode ser um instrumento poderoso para provocar reflexão. Dirigido, roteirizado e protagonizado por ele mesmo, o longa equilibra comédia, drama e fantasia para explorar um tema urgente: as desigualdades sociais e o autoengano que sustenta o mito da meritocracia.
A trama parte de uma premissa engenhosa: Gabriel (Keanu Reeves), um anjo encarregado de salvar motoristas distraídos, decide interferir na vida de um homem pobre e desiludido (Ansari). Movido pela curiosidade e por um impulso de compaixão, ele troca o destino do rapaz com o de um milionário inconsequente (Seth Rogen). O gesto, que deveria trazer justiça, acaba revelando as contradições do próprio sistema — e do céu que o observa de cima.
Ansari, com seu estilo característico de humor inteligente e autocrítico, constrói uma narrativa que lembra clássicos como Feitiço do Tempo e Quero Ser Grande, mas com uma pegada muito mais ácida e contemporânea. Aqui, a fantasia não serve como fuga, e sim como lente: por meio da troca de lugares, o filme desnuda a fragilidade dos discursos otimistas e a superficialidade das soluções mágicas para problemas estruturais.
Keanu Reeves é uma das grandes surpresas do elenco. Seu anjo Gabriel mistura serenidade e vaidade, o que o torna um personagem fascinante — um ser celestial que, ao tentar fazer o bem, acaba expondo o quanto até o altruísmo pode ser atravessado por ego. Já Seth Rogen, no papel do homem rico desconectado da realidade, encarna o privilégio com naturalidade desconcertante.
Mas é Keke Palmer quem oferece o contraponto mais potente da história. Como Elena, uma trabalhadora que tenta criar um sindicato e vê seus esforços frustrados, ela representa a voz da consciência coletiva. Em uma das cenas mais marcantes, quando o protagonista tenta consolá-la com frases de autoajuda, Elena o interrompe com uma resposta seca e lúcida: “É fácil falar quando se está no topo.” Essa fala resume o coração do filme — a crítica à ilusão de que basta acreditar para vencer um sistema que foi feito para poucos.
Visualmente, Até o Céu se Engana é simples e eficaz. Ansari evita o espetáculo e aposta em uma direção contida, focada nas relações e nos diálogos. A trilha sonora acompanha esse tom, alternando momentos de leveza e melancolia, enquanto o roteiro alterna o riso e o desconforto com precisão.
O grande mérito do filme está na sua coragem de rir daquilo que normalmente é doloroso. Ansari não oferece soluções fáceis, tampouco vilões caricatos — apenas pessoas tentando encontrar sentido em um mundo desigual. O resultado é uma comédia existencial, crítica e humana, que diverte sem deixar o público escapar ileso.
Até o Céu se Engana é uma sátira social disfarçada de comédia leve, uma fábula sobre empatia e poder que nos lembra: às vezes, o céu erra — mas é nos erros, e nas trocas improváveis, que a humanidade pode se reconhecer.
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