
O terror contemporâneo frequentemente busca inovação em fórmulas já consolidadas: casas assombradas, entidades malignas e sustos repentinos são elementos recorrentes no gênero. Entretanto, o filme Bom Menino, dirigido por Ben Leonberg e coescrito com Alex Cannon, se destaca justamente por subverter essa lógica, oferecendo uma perspectiva inédita: a narrativa é conduzida pelos olhos de um cachorro, Indy, o Nova Scotia Duck Tolling Retriever que acompanha seu tutor Todd na antiga casa da família. Essa escolha narrativa não é apenas curiosa; é transformadora, redefinindo a experiência do terror e o modo como o espectador se conecta emocionalmente com a trama.
A história começa com um acontecimento familiar traumático — a morte de um parente — que leva Todd e Indy a se mudarem para um imóvel isolado no campo. O que deveria representar um recomeço tranquilo rapidamente se transforma em um pesadelo sobrenatural. Forças invisíveis aos olhos humanos começam a se manifestar, e o filme explora de forma brilhante a diferença entre a percepção humana e animal. Enquanto Todd é retratado como vulnerável, muitas vezes impotente diante das manifestações sombrias, Indy assume o papel de protagonista, o herói improvável que enxerga o perigo antes de qualquer outra pessoa.

O grande mérito de Bom Menino está na construção do suspense a partir dessa perspectiva não convencional. Filmado quase inteiramente do ponto de vista do cachorro, o longa evita diálogos excessivos e se apoia em expressões, sons sutis e silêncios estratégicos para criar tensão. Cada sombra, cada canto vazio e cada som aparentemente inócuo ganha significado na ótica de Indy, transformando o familiar em assustador. Essa abordagem cria uma imersão intensa, que aproxima o público do instinto e da sensibilidade do animal, tornando a experiência do medo mais visceral e emocionalmente carregada.
Visualmente, o filme remete a uma estética próxima ao found footage, reforçando a sensação de imediatismo e presença. Essa escolha estilística potencializa a conexão do espectador com o ponto de vista de Indy, enquanto a narrativa cuidadosamente modulada alterna momentos de calma e tensão crescente, mantendo a atenção sem recorrer a sustos previsíveis ou clichês do gênero. A câmera muitas vezes registra o mundo de baixo para cima, os objetos deslocados ou os reflexos distorcidos, ampliando a sensação de vulnerabilidade humana em contraste com a sagacidade animal.
Além da inovação técnica, Bom Menino aborda temas universais com profundidade inesperada. Lealdade, proteção, medo do desconhecido e coragem assumem novas dimensões quando vistos através de um olhar canino. Indy não é apenas um coadjuvante ou um elemento fofo da trama; ele é a consciência alerta, o guardião silencioso que encara o sobrenatural com determinação. Essa inversão de papéis — o humano frágil e o animal heroico — provoca reflexão sobre a relação entre homens e animais e sobre como percebemos segurança, confiança e amor incondicional.
O desempenho da direção de Leonberg se mostra seguro e criativo. Ele equilibra a tensão com momentos de afeto genuíno, evitando transformar o filme em uma experiência meramente assustadora. O roteiro, coescrito por Cannon, complementa essa visão, construindo personagens humanos críveis e um cão que, mesmo sem palavras, transmite emoções complexas. A narrativa é cuidadosamente dosada, evitando exageros visuais e permitindo que o espectador absorva a história de forma gradual, quase como se estivesse explorando a casa assombrada ao lado de Indy.
No campo do terror contemporâneo, Bom Menino se firma como uma obra original e necessária. Ele prova que o gênero ainda pode inovar sem abandonar seus elementos clássicos — medo do desconhecido, presença sobrenatural e suspense crescente —, simplesmente mudando o ponto de vista e convidando o público a enxergar o mundo por uma perspectiva completamente nova. Ao mesmo tempo, o filme cumpre seu papel emocional, lembrando que a coragem nem sempre se apresenta da forma esperada e que os verdadeiros heróis podem vir em formas inesperadas.





