“Coringa: Delírio a Dois” foi uma das sequências mais aguardadas dos últimos anos, prometendo uma nova e ousada abordagem para a icônica história de Arthur Fleck, o Coringa. Com Todd Phillips novamente na direção, o filme trouxe a promessa de um musical psicológico, o que despertou tanto curiosidade quanto ceticismo entre os fãs e críticos. No entanto, essa nova direção artística revelou-se um terreno delicado, e o resultado foi uma obra que, embora visualmente impressionante, divide opiniões pela sua execução narrativa e estética.
Phillips, mais uma vez, demonstra sua habilidade ao criar uma atmosfera densa e perturbadora. A cinematografia continua a ser um dos pontos altos do filme, com cenas que capturam de maneira belíssima o caos interno de Arthur Fleck. Através de ângulos inovadores e uma paleta de cores que mistura o sombrio com o vibrante, o diretor cria momentos de pura imersão visual, especialmente nas cenas introspectivas do protagonista. Contudo, ao transformar “Coringa: Delírio a Dois” em um musical, o cineasta parece ter se distanciado da essência brutal e complexa que definiu o sucesso do primeiro filme. A musicalidade, por mais bem coreografada que seja, interfere na intensidade emocional da trama, suavizando o impacto da jornada psicótica de Fleck.
A participação de Lady Gaga como Harley Quinn, uma adição muito aguardada, é um dos elementos mais comentados do filme. Sua interpretação da personagem, conhecida por sua relação caótica com o Coringa, traz momentos interessantes de cumplicidade com Joaquin Phoenix. A química entre os dois atores é inegável, mas o roteiro falha em aprofundar essa relação, deixando Harley como um elemento quase decorativo, em vez de uma força vital na narrativa. Gaga entrega uma performance intensa e multifacetada, mas sua presença é subaproveitada, o que gera uma sensação de que muito mais poderia ter sido explorado. Sua versão de Harley Quinn parece apenas tocar a superfície da personagem, sem mergulhar nas camadas de loucura e vulnerabilidade que fizeram dela uma figura tão fascinante.
O maior desafio do longa-metragem é seu ritmo. Depois de um início promissor, com tensões crescentes e diálogos intrigantes, o filme se perde em uma repetição cansativa de cenas que, ao invés de enriquecer a trama, acabam diluindo a intensidade emocional. A narrativa parece se arrastar, especialmente após os primeiros 40 minutos, tornando-se previsível e, por vezes, sem direção. O desenvolvimento de Arthur Fleck, que deveria aprofundar ainda mais sua psique torturada, acaba sendo prejudicado por números musicais que, embora visualmente impactantes, soam deslocados no contexto sombrio da história.
Há momentos de brilho no filme, especialmente na atuação de Joaquin Phoenix. Ele, mais uma vez, entrega uma performance visceral, capturando com maestria a vulnerabilidade e a insanidade de Fleck. A transformação do personagem, desde sua fragilidade inicial até a total aceitação de sua loucura, é um espetáculo doloroso de se assistir, e Phoenix carrega o filme com uma intensidade que poucos atores conseguiriam igualar. Contudo, mesmo sua atuação poderosa não consegue redimir as falhas estruturais do roteiro.
A decisão de misturar o sombrio com o musical pode ser vista como uma tentativa ousada de inovar o gênero, mas em “Coringa: Delírio a Dois”, o experimento parece ter saído pela culatra. O filme, ao tentar balancear o grotesco com a leveza musical, acaba criando uma experiência fragmentada. Enquanto a estética visual e as performances de Phoenix e Gaga são pontos de destaque, a trama em si perde o foco e a coesão, resultando em uma narrativa que falta profundidade e significado.
Para os fãs do primeiro filme, que se destacava pela crueza e profundidade emocional, o filme pode ser uma decepção. O potencial para uma sequência igualmente perturbadora e instigante está lá, mas é ofuscado por escolhas artísticas que não conseguem sustentar o peso da história. No final, o filme deixa uma sensação de que o Coringa merecia um tratamento mais alinhado com sua complexidade, e menos comprometido com experimentações que diluem seu impacto.
A trama é um filme que tenta inovar, mas acaba tropeçando em sua própria ambição. É uma experiência que, para alguns, será um fracasso narrativo; para outros, uma ousadia mal executada. Porém, o consenso parece ser que, embora Phillips tenha sido corajoso em tentar algo novo, o filme carece da mesma profundidade e impacto emocional que transformou o primeiro em um clássico moderno.