
Antes de mergulhar na análise do novo Drácula (2025), é impossível ignorar a figura por trás da câmera: Luc Besson. O cineasta francês, que já foi celebrado por títulos como O Quinto Elemento e Nikita, hoje carrega uma sombra pesada. Envolvido em acusações sérias, incluindo agressão sexual, Besson tornou-se uma presença incômoda no cenário cinematográfico internacional. Essa bagagem ética não apenas contamina a percepção de suas obras, mas também lança um holofote desconfortável sobre os significados e intenções por trás de seus novos projetos — especialmente quando se tenta reescrever a trajetória de um monstro.
Deixando essa questão ética como pano de fundo — por mais incômoda que seja — resta analisar o filme em si. E a verdade é que o filme é, sob praticamente todos os aspectos, um desastre cinematográfico. Um equívoco de concepção, execução e propósito, que beira o desrespeito tanto ao legado de Bram Stoker quanto ao público que ainda se interessa por boas histórias de horror gótico.
Desde os primeiros minutos, percebe-se que há algo profundamente desalinhado. A trama, que bem poderia receber o subtítulo “A Redenção”, entrega de imediato sua proposta problemática: transformar o vampiro mais icônico da literatura em uma figura romântica, trágica, quase heróica. Ao tentar humanizar o Príncipe das Trevas, o roteiro esvazia não apenas a mitologia do personagem, mas todo o simbolismo que fez de Drácula um ícone imortal do medo.
Os personagens clássicos — Mina, Jonathan Harker e Van Helsing — são reduzidos a caricaturas desprovidas de alma, motivação ou impacto dramático. Suas presenças em cena não passam de adereços narrativos. Não há vínculos, não há desenvolvimento, não há empatia. São figuras tão descoladas da trama que, em dado momento, torcemos para que desapareçam, tamanha a irrelevância de suas existências.
A ausência de tensão, elemento vital em qualquer adaptação da obra de Stoker, é gritante. O filme se arrasta por um enredo superficial, onde acompanhamos um Drácula melancólico em jornada existencial ao lado de um padre caçador de vampiros — uma premissa que até poderia render algo, se houvesse densidade emocional, camadas simbólicas ou qualquer vestígio de ambiguidade moral. Mas o que se vê é uma sucessão de cenas previsíveis, frias, destituídas de qualquer pulsação narrativa. Não há sedução, não há mistério, não há horror.
A ambientação, que deveria ser um dos trunfos do longa, é outro desastre. Em vez de mergulhar o espectador em um universo opressor e gótico, o filme opta por cenários genéricos e iluminação genérica. Não há identidade visual, não há atmosferas memoráveis. Em alguns momentos, o longa até tenta introduzir elementos de humor, mas o faz de maneira tão fora de tom que o resultado é constrangedor. Rimos, sim — mas nunca pelas razões certas.

O roteiro também comete o pecado de violar, sem justificativa, as próprias regras do universo vampírico. Elementos fundamentais da mitologia de Stoker são descartados ou modificados conforme a conveniência da cena. A luz do sol, por exemplo, é mortal em um momento, mas inofensiva no seguinte. Essa inconsistência não apenas destrói a suspensão de descrença, como também escancara uma preguiça narrativa que mina qualquer chance de imersão.
Os diálogos são outro ponto fraco. Soam artificiais, sem lirismo, sem a densidade filosófica ou melancólica que se espera de um bom Drácula. Falas genéricas, superficiais, que poderiam estar em qualquer outro filme — e que não revelam nada sobre os personagens ou seus dilemas. Falta peso, falta ritmo, falta alma.
Mas talvez o aspecto mais perturbador do filme seja sua subtexto. É difícil não enxergar na jornada de redenção de Drácula uma tentativa de reescrever, ainda que metaforicamente, a própria imagem do diretor. Ao transformar o monstro em alguém digno de amor, compreensão e perdão, Besson parece buscar para si mesmo uma catarse artística. A obra se torna, assim, um espelho torto onde o monstro e o criador se confundem. E o desconforto vem não da ficção, mas da intenção por trás dela.
Claro, personagens clássicos podem — e devem — ser revisitados sob novas perspectivas. Reinvenções são bem-vindas quando feitas com propósito, inteligência e respeito. Mas o que Besson entrega aqui não é uma releitura. É uma tentativa rasa de suavizar as arestas do horror, de transformar a escuridão em romance barato, de apagar o subtexto gótico em favor de uma fábula emocionalmente manipulativa.
No fim das contas, o longa-metragem falha como adaptação, falha como filme de horror, falha como romance e falha, sobretudo, como cinema. É uma obra sem alma, sem ritmo, sem poesia. Um produto que parece existir apenas como plataforma para intenções questionáveis, e que trata sua audiência com desdém — como se qualquer história fosse suficiente, desde que envolta em figurino de época e discursos sobre amor e redenção.
Ao sair da sessão, a sensação não é apenas de tempo perdido, mas de frustração diante de uma oportunidade desperdiçada. Drácula, mesmo após mais de um século, segue sendo uma das figuras mais complexas da literatura. Reduzir essa complexidade a um melodrama artificial, conduzido por um diretor com pendores narcisistas, é mais do que um erro artístico — é um desserviço ao mito.






Realmente se percebe que o filme é fraco e, quase não tem história, salvo uma parecida com uma história dos quadrinhos. Segue a estrutura do Nosferatu recente, quase mesmas cenas e então, sem originalidade.