Crítica | Meu Bolo Favorito apresenta delicadeza e coragem no retrato do amor maduro em pleno Teerã

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Foto: Reprodução/ Internet

Há filmes que não gritam, mas sussurram verdades tão íntimas que permanecem com a gente muito depois da última cena. Meu Bolo Favorito, dirigido com sutileza por Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, é um desses encontros raros entre delicadeza e profundidade. Mais do que uma história de amor, é um retrato generoso de uma mulher que redescobre a própria vida quando já parecia não haver mais tempo para surpresas.

Mahin, interpretada com alma pela extraordinária Lili Farhadpour, tem 70 anos e mora sozinha em Teerã. A filha mora longe, na Europa. O marido já não está mais. O cotidiano é silencioso, previsível, quase invisível — como tantas mulheres maduras que passam despercebidas no turbilhão da vida urbana. Mas, num chá da tarde com amigas, algo muda. Um gesto simples, uma conversa banal, e Mahin, quase sem perceber, permite que uma nova possibilidade se aproxime.

E assim, sem grandes arcos ou viradas espetaculosas, o filme nos envolve com a poesia da intimidade. Um novo romance entra em cena — ou talvez seja apenas um encontro, um instante de conexão humana — e Mahin se vê diante do impensável: o direito de sentir desejo de novo, de abrir a porta não apenas da casa, mas do corpo, da memória, da alma.

O que começa como um evento rotineiro logo se transforma numa noite de descobertas — nem sempre suaves, nem sempre fáceis, mas incrivelmente humanas. Porque o amor, quando chega tarde, não chega com ingenuidade: chega carregado de passado, de medo, de delicadezas que só a maturidade entende.

Meu Bolo Favorito se passa em um Irã real, onde as mulheres vivem entre limites e brechas, onde os silêncios dizem mais que mil palavras. Mas o que torna o filme universal é justamente sua capacidade de tocar o que é comum a todas as mulheres: a solidão, o desejo, o medo de envelhecer invisível, a esperança que insiste em resistir mesmo quando tudo parece já definido.

A câmera é íntima, respeitosa, quase cúmplice. Os diretores sabem que o tempo de Mahin é outro — e o ritmo do filme acompanha esse compasso interior. Não há pressa. Há respiro. Há espaço para hesitar diante do espelho, para sorrir sozinha, para lembrar do toque de um amor antigo e se permitir desejar um novo.

E que beleza é ver uma atriz como Farhadpour em um papel tão inteiro, tão digno, tão vivo. Mahin não é uma caricatura de avó fofa, nem uma heroína em luta. É apenas uma mulher — com medo, com desejo, com dignidade — em busca de algo que talvez ela mesma tenha esquecido como é: se sentir viva.

O bolo favorito do título vai além da metáfora óbvia. Não se trata só de sabor, mas de memória afetiva, de pequenos prazeres, de escolhas que fazem sentido para nós e ninguém mais. É sobre retomar o controle da própria narrativa — mesmo quando o mundo já parece ter escrito o final da história.

Avaliação geral
Nota do crítico
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Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.
critica-meu-bolo-favorito-apresenta-delicadeza-e-coragem-no-retrato-do-amor-maduro-em-pleno-teeraUm filme sobre amor tardio, sobre recomeços que desafiam o tempo e sobre mulheres que, mesmo depois de muito, ainda têm muito a viver. Uma joia do cinema iraniano que abraça com doçura — e nos convida a saborear a vida com mais coragem.Perguntar ao ChatGPT

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