Crítica – No deserto da opressão, Quebrando Regras cultiva esperança e liberdade

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Poucos filmes contemporâneos traduzem com tanta precisão o entrelaçamento entre política, educação, gênero e tecnologia quanto Quebrando Regras. A obra dirigida por Bill Guttentag ultrapassa os limites de um drama inspirador para se tornar um documento ficcionalizado de resistência. É um longa que não apenas conta uma história real — a das Afghan Dreamers, equipe de meninas afegãs que ousou competir em um torneio internacional de robótica —, mas questiona o que estamos fazendo, como humanidade, com os sonhos dos mais vulneráveis.

Baseado em eventos reais, o filme se ancora em um paradoxo doloroso: enquanto uma equipe de adolescentes constrói robôs com criatividade, inteligência e paixão, sua própria sociedade insiste em desumanizá-las. Entre fios, sensores e circuitos, o espectador testemunha algo ainda mais urgente sendo costurado: a tentativa desesperada de se afirmar como sujeito em um mundo que nega até o direito de existir com dignidade.

Guttentag não escolhe o caminho fácil. Seu olhar é empático, mas jamais condescendente. A câmera observa mais do que dramatiza. Permite que a indignação nasça não da trilha sonora ou de grandes discursos, mas do cotidiano das protagonistas: um visto negado por “falta de documentação”, a censura do próprio pai, a patrulha do comportamento feminino por parte do Estado e da vizinhança. Cada barreira enfrentada revela mais sobre os mecanismos cruéis de opressão institucionalizada — e, ao mesmo tempo, sobre a força revolucionária da juventude.

O roteiro, coescrito por Jason Brown e Elaha Mahboob (irmã de Roya Mahboob, a fundadora da equipe original), acerta ao não romantizar a jornada. Não há triunfos fáceis, não há redenção completa. A vitória, aqui, não se mede por troféus, mas pela insistência em sonhar, mesmo quando o sonho pode custar tudo.

Visualmente, Quebrando Regras é discreto, quase austero. Mas é justamente essa contenção estética que permite que os sentimentos explodam com mais verdade. A emoção nasce nos detalhes: no olhar de uma mãe que hesita entre o medo e o orgulho; na tensão de uma entrevista de visto; na alegria clandestina de se conectar com o mundo, mesmo que por alguns dias, em solo estrangeiro.

O filme também levanta discussões mais amplas sobre como o Ocidente lida com histórias como essa. A mesma comunidade internacional que aplaude as conquistas das meninas muitas vezes é a que lhes vira as costas quando pedem asilo ou proteção. Quebrando Regras não permite o conforto de se emocionar e seguir em frente — ele cutuca, desafia, cobra.

Ao final, o que permanece é a noção de que a robótica, para essas meninas, não é apenas ciência. É linguagem. É resistência. É uma maneira de se projetar no futuro quando o presente tenta apagá-las. Em um mundo que frequentemente apaga vozes femininas, especialmente em regiões de conflito, o simples ato de construir um robô torna-se um gesto revolucionário.

Quebrando Regras é um filme necessário. Não porque traz uma mensagem bonita, mas porque nos obriga a encarar a realidade com olhos menos complacentes. E a entender que, às vezes, os maiores atos de coragem começam com um fio de cobre e uma faísca.

Avaliação geral
Nota do crítico
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Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.
critica-no-deserto-da-opressao-quebrando-regras-cultiva-esperanca-e-liberdadeEm Quebrando Regras, a inspiradora história real das Afghan Dreamers se transforma em um drama potente sobre resistência, liberdade e o direito de sonhar. Dirigido por Bill Guttentag, o filme revela como a robótica se torna símbolo de emancipação para meninas afegãs que desafiam opressões culturais e políticas. Mais do que emocionante, é um retrato urgente da coragem feminina em meio à violência do mundo — um lembrete de que, mesmo nos terrenos mais hostis, o futuro pode florescer.

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