
Três anos atrás, ao revisitar toda a saga Predador antes de assistir ao mais recente filme dirigido por Dan Trachtenberg, percebi o quanto nutria uma afeição genuína pela franquia. Curiosamente, apesar de composta quase inteiramente por produções medianas, há algo de cativante em cada capítulo — seja pela ambientação, pelo gênero ou pelos personagens. A fórmula nunca mudou de forma radical, mas cada obra conseguia renovar o universo de maneira sutil, evitando a sensação de repetição.
Com Predador: Terras Selvagens, Trachtenberg realiza, finalmente, um desvio significativo. O diretor assume o risco ousado de transformar o próprio Yautja — o Predador — no protagonista da história. Essa escolha redefine a essência da franquia, oferecendo não apenas uma nova narrativa, mas também um olhar inédito sobre o que tradicionalmente era visto como o “monstro” da trama.
Transformar o Predador em personagem central exige mais do que destacá-lo em cena: é necessário explorar seu ponto de vista, desenvolver um arco emocional, conferir propósito e trajetória. O resultado técnico é notável. Embora a criatura continue sendo interpretada por um ator em traje físico, a adição de CGI e captura de movimento ao rosto do Yautja cria expressividade e naturalidade inéditas. Mandíbulas que vibram com a respiração, músculos faciais que reagem sutilmente — pela primeira vez, o espectador sente estar diante de uma criatura viva, dotada de sentimentos e conflitos internos. Essa dimensão expressiva é essencial para a eficácia do conceito, e o filme acerta plenamente ao torná-lo tangível.
O prólogo exemplifica essa harmonia entre forma e conteúdo. O tema central — a natureza da caça e a reflexão sobre o código de honra dos Yautjas — é apresentado de maneira clara, enquanto o roteiro, coerente com o princípio de “escrever sempre com base no tema”, conduz a narrativa com firmeza. Desde as primeiras cenas, é possível antever o percurso do protagonista, mas isso não compromete o impacto da história. Ao contrário, a previsibilidade estrutural é equilibrada pela força simbólica e pela consistência dramática. O filme constrói uma base sólida, que guia o espectador do início ao fim sem perder o rumo.
Em diversos momentos, Terras Selvagens flerta com o gênero de sobrevivência, lembrando uma versão sombria de Avatar, em que fauna e flora se tornam antagonistas constantes. Ainda assim, Trachtenberg evita que o espetáculo visual se sobreponha à narrativa. Ele mantém o foco na essência do enredo, questionando o significado de ser um caçador, o valor da empatia e a possibilidade de transformação.

Essa relação entre instinto e consciência forma o núcleo do filme. Os personagens — cada um à sua maneira — desafiam suas funções e descobrem um propósito além do que foram programados para cumprir. Essa construção narrativa não é mero artifício, mas se conecta diretamente à proposta de Trachtenberg de repensar o mito do Predador.
Do ponto de vista técnico, Terras Selvagens é um filme competente e inventivo. As estratégias e armamentos do clímax são engenhosos, coerentes com o tema e repletos de referências sutis ao filme original. Mesmo os momentos de fan service, quando presentes, soam justificados — nada parece gratuito. Trachtenberg demonstra que homenagear não significa repetir, mas evoluir. Cada escolha estética revela cuidado, propósito e paixão.
Contra todas as expectativas, Predador: Terras Selvagens mostra que ainda há espaço para inovação em uma franquia que parecia esgotada. Ao colocar o monstro no centro da história e tratá-lo com humanidade, o filme amplia o universo e a complexidade da saga. É uma obra audaciosa, coerente e surpreendentemente emocionante, que entrega não apenas ação, mas também uma reflexão sobre moral, instinto e transformação.
















