Foto: Reprodução/ Internet

“Ele não é como a gente. Ele é mais.” Essa frase, dita em um momento chave de Quarteto Fantástico – Primeiros Passos, sintetiza a ambição do filme: tentar reimaginar heróis exaustos por adaptações falhas com um olhar que seja, finalmente, mais. Mais maduro. Mais humano. Mais à altura do que o público sempre quis ver nessas figuras que, embora cósmicas, nasceram da intimidade disfuncional de uma família.

Dirigido com competência e senso de estrutura por Matt Shakman, o novo Quarteto Fantástico entrega, acima de tudo, funcionalidade. E isso, vindo de um histórico cinematográfico que inclui um desastre de 2015 e uma tentativa esquecível em 2005, já é motivo de celebração. Mas o filme vai além do básico. Ele entrega um frescor emocional inesperado, uma sobriedade elegante e até um toque poético que confere ao longa sua própria identidade dentro do saturado Universo Marvel.

Um drama quase existencial por trás das malhas e poderes

Diferente de outras produções do MCU, que se apoiam demais em piadas ou explosões, Primeiros Passos tem um ritmo que beira o contemplativo em certos trechos. A formação da equipe não é tratada como um grande evento, mas como uma consequência melancólica de decisões tomadas por amor à ciência — e, muitas vezes, por medo de envelhecer no anonimato.

Reed Richards (interpretado com precisão nerd, mas emocionalmente acessível por Pedro Pascal é o centro gravitacional do grupo — o cérebro que sonha alto demais. Sue Storm (vivida por Vanessa Kirby é mais do que a esposa do cientista: ela é um ventre metafórico e literal para o futuro. A comparação que o filme faz entre um buraco negro em expansão e a dilatação uterina durante o parto pode soar absurda no papel, mas em cena, curiosamente, funciona. É o tipo de imagem que nos lembra que super-heróis não são apenas armas — são espelhos de nossas esperanças mais primitivas.

Johnny Storm, por sua vez, é um personagem que o filme trata com certa hesitação. Há tentativas de construí-lo como um jovem gênio com instabilidade mental, numa espécie de cruzamento entre Tocha Humana e John Nash (Uma Mente Brilhante), mas essa proposta nunca deslancha por completo. Seu arco parece colado, como se estivesse em busca de um filme próprio. Ben Grimm, o Coisa, sofre ainda mais: sua tragédia pessoal — um homem transformado num monstro de pedra — merecia mais tempo de tela e mais coragem narrativa. O filme insinua seu sofrimento, mas logo recua, como se temesse deixar a sessão de cinema pesar demais.

O tempo, o vácuo e a luta contra o fim

Se há um inimigo real em Primeiros Passos, ele não usa capa nem armadura. É o tempo. Ou melhor: o vácuo. A inevitabilidade do nada. O filme é obcecado por buracos — negros, emocionais, temporais. E nessa obsessão, encontra uma beleza rara. A narrativa é pontuada por imagens que representam o ciclo da existência: bebês em incubadoras, foguetes em lançamento, anéis de acoplamento, cordões umbilicais rompidos pela ciência, pelo destino, pela ambição. Tudo começa e termina em algum tipo de vazio — e o Quarteto é convocado a preenchê-lo com o que há de mais frágil: a esperança.

Não é uma proposta exatamente divertida. Mas é honesta.

O cansaço do gênero… e o sopro de uma resistência

Há quem diga que o cansaço dos filmes de super-herói é inevitável. E talvez seja. Thunderbolts, lançado recentemente, parecia mais um sinal de exaustão do que de reinvenção. Mas Primeiros Passos desafia esse destino com dignidade. Mesmo dentro de um universo já sobrecarregado, o filme encontra espaço para perguntar: o que deixamos para os nossos filhos? Que legado nasce da destruição? Como proteger uma família que nasceu da exposição ao desconhecido?

Nessa perspectiva, o longa se aproxima mais de Os Incríveis do que dos próprios filmes da Marvel. E faz isso sem vergonha. Ao contrário: homenageia, implicitamente, aquela que continua sendo a melhor narrativa cinematográfica sobre super-famílias até hoje. E essa autoconsciência — essa humildade criativa — é um dos grandes trunfos da produção.

Limitações, sim — mas também uma nova promessa

É verdade que o filme peca em momentos importantes. O segundo ato é acelerado, sem o aprofundamento emocional que o primeiro promete. Há uma certa pressa em resolver conflitos, como se o roteiro ainda estivesse tentando atender a checklists impostos pelo estúdio. A química entre os quatro protagonistas funciona mais pela ideia do que pela execução. E, claro, a ausência de um vilão realmente memorável (o retorno de Victor Von Doom, embora estilizado, é tímido) impede que o clímax atinja sua potência máxima.

Mas talvez isso seja parte do projeto. Primeiros Passos parece menos interessado em criar um épico definitivo e mais em assentar bases sólidas para um futuro — algo que as adaptações anteriores jamais conseguiram.

Um recomeço com alma

Quarteto Fantástico – Primeiros Passos não é perfeito, nem revolucionário. Mas é humano. E, neste ponto da história do gênero, isso já é quase um milagre. Ao optar por um tom mais contemplativo, por metáforas inesperadas e por perguntas incômodas, o filme se aproxima de uma nova linguagem dentro do cinema de super-heróis — uma linguagem que não despreza o espetáculo, mas que coloca o afeto e o significado no centro da cena.

Para não perder nenhuma novidade do universo geek, acompanhe nossas atualizações diárias sobre filmes, séries, televisão, HQs e literatura no Almanaque Geek. Siga o site nas redes sociais — Facebook, Twitter/X, Instagram e Google News — e esteja sempre por dentro do que está movimentando o mundo da cultura pop.

Avaliação geral
Nota do crítico
Rhuan Victor
Apaixonado por cinema, sempre pronto para debater desde os clássicos até as produções mais questionáveis. Para cada história, uma nova viagem!
critica-quarteto-fantastico-primeiros-passos-e-um-recomeco-corajoso-imperfeito-e-estranhamente-poetico-para-a-primeira-familia-da-marvel"Quarteto Fantástico – Primeiros Passos" é a melhor adaptação da equipe até hoje, com uma narrativa segura e visualmente marcante. Apesar de falhas no desenvolvimento de personagens como Johnny e Ben, o filme surpreende ao explorar temas como vida, morte e família com uma sensibilidade inesperada. Ainda que apresente tropeços no ritmo e não fuja completamente do cansaço do gênero, é uma obra funcional, honesta e tocante — e que reconhece, com humildade, que ainda há espaço para crescer.

COMENTE

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui