
Na noite desta sexta-feira, 1º de agosto de 2025, o “Globo Repórter” dá adeus — ao menos por agora — ao “Brasil do Meio”. Uma expedição intensa, sensível e cheia de descobertas que atravessou o coração do país, revelando muito além do que mapas mostram. Essa região, muitas vezes vista apenas como ponto de passagem ou corredor do agronegócio, se revelou um mosaico de histórias humanas, inovações surpreendentes, fé concreta e gente que não só planta e colhe, mas também sonha, transforma e resiste.
Durante semanas, a equipe do programa — liderada pelo repórter Chico Regueira — mergulhou na vida cotidiana de cidades, fazendas e comunidades nos estados de Goiás e Tocantins. E o que eles trouxeram de volta não foram apenas belas imagens ou dados impressionantes. Trouxeram vida. Histórias de superação, de amor à terra, de tecnologia com propósito e de tradições que sobrevivem mesmo quando os arranha-céus começam a engolir o céu.
Um novo olhar para o centro do Brasil
O episódio final dessa jornada nos convida a pensar: o que significa estar no meio? Estar no centro geográfico do Brasil é também estar no centro das contradições, das transformações e das possibilidades. Não é à toa que Goiás e Tocantins têm sido apontados como laboratórios vivos de um futuro que tenta equilibrar avanço econômico com sustentabilidade, inovação com memória, concreto com cerrado.
Goiânia, por exemplo, não é apenas uma cidade que cresce para cima. É também uma cidade que olha para dentro. Entre novos edifícios, robôs simpáticos e combustíveis limpos, pulsa uma alma sertaneja, cheia de afetos simples e valores profundos. Palmas, ainda jovem e em constante construção, é símbolo de um país que quer se reinventar sem esquecer de onde veio.
Goiânia: onde o agro encontra a cidade
A capital goiana é o ponto de partida do episódio. Ali, o urbano e o rural não vivem em lados opostos — eles se abraçam, ainda que com tensão. A cidade, que ganha prédios cada vez mais altos, esconde entre suas avenidas modernas um ritmo de vida que ainda valoriza o quintal, o cheiro da comida no fogão de lenha e as rodas de viola.
Um exemplo disso é a influenciadora digital que abre as portas de seu apartamento com vista para o skyline goianiense e mostra, orgulhosa, sua coleção de panelas herdadas da avó. Atrás das fotos produzidas do Instagram, há uma mulher que fala de pamonha como quem fala da infância, de banho de rio como quem fala de cura. E ali, no centro da cidade, ela faz questão de manter viva essa identidade sertaneja.
E não é só nas cozinhas que a tradição ganha um toque de futuro. No prédio mais alto da cidade, a robô Pequi — com nome inspirado na fruta símbolo do cerrado — faz entregas entre os andares como se fosse um carteiro do amanhã. Um pequeno gesto que diz muito: a tecnologia aqui não é um fim em si, mas uma ponte entre mundos.
Quando o canteiro vira sala de aula
No meio desse cenário em transformação, o Globo Repórter encontra também pessoas que decidiram mudar a realidade à sua volta. A professora Mônica Ferreira dos Santos, por exemplo, criou uma iniciativa para capacitar operários da construção civil diretamente nos canteiros. Nada de quadro negro ou cadeiras enfileiradas — o aprendizado acontece com os pés na terra e o capacete na cabeça.
Mônica sabe do que está falando: já foi ajudante de obra, estudou à noite, criou os filhos sozinha e hoje é engenheira civil. Mas, mais do que isso, ela é ponte para outros sonharem também. “Quando a gente entende o desenho de uma planta, começa a desenhar o próprio futuro”, diz um de seus alunos, com os olhos brilhando.
Fé que constrói
No mesmo território onde o concreto avança, a espiritualidade se reinventa. O programa encontra o pastor Cláudio de Carvalho, que decidiu unir sua fé com sua profissão de engenheiro. Para ele, evangelizar não é só pregar com palavras — é ensinar com ações. Em vez de apenas falar de salvação, ele ensina serventes a se tornarem pedreiros qualificados. “A gente também salva quando oferece uma profissão”, diz, com a convicção de quem constrói mais que paredes.
Biometano: combustível do presente
Outra descoberta surpreendente vem dos bastidores da mobilidade urbana: ônibus movidos a biometano — um combustível limpo, extraído dos resíduos da cana-de-açúcar. A cena do repórter embarcando em um desses veículos não é só ilustrativa: é simbólica. Mostra que o futuro não está tão longe quanto parece. Ele já está circulando pelas ruas, de forma silenciosa, econômica e sustentável.
E o que poderia parecer uma inovação distante da realidade, se mostra muito presente: “O que sobra da cana vira força para mover gente. Isso é bonito demais”, resume um dos motoristas que opera os ônibus.
No Tocantins, a última fronteira é a esperança
A equipe do programa segue viagem até o Tocantins e chega à região conhecida como Matopiba, nome que soa técnico, mas que guarda um potencial humano imenso. Ali, entre lavouras modernas e iniciativas ecológicas, está a fazenda de Murilo Sharp — uma propriedade dividida entre produção e preservação.
Metade das terras é floresta nativa. A outra metade é ocupada por gado, sim, mas com responsabilidade ambiental. Murilo não fala em produtividade como quem fala em lucro, mas como quem fala de legado. “O segredo é escutar a terra”, diz, com olhos marejados diante de uma árvore que, segundo ele, já estava ali antes mesmo do avô chegar.
Dona Zefa: a cozinha como resistência
E é também no Tocantins que o episódio encontra um dos personagens mais encantadores da série: Dona Zefa. Simples, direta, generosa, ela transforma soja em café — literalmente. Torrada e moída, a leguminosa se transforma numa bebida que lembra o café tradicional, mas tem gosto de roça.
Ela prepara a bebida enquanto frita bolinhos e recebe a equipe com o sorriso de quem não se deixa intimidar pelas câmeras. “É café de soja, mas tem alma”, brinca. Ao lado do fogão, sua cozinha parece um relicário de afetos, receitas e memória.
Palmas: jovem, solar, promissora
A expedição se encerra na capital do Tocantins. Palmas ainda é uma cidade em construção — no tempo, na identidade, no sonho. Criada no fim dos anos 1980, ela é o exemplo mais literal do Brasil em transformação: uma cidade nova, nascida de um desejo de modernidade, mas que carrega histórias antigas em cada esquina.
O programa Globo Repórter visita o marco geodésico do país, conversa com os primeiros moradores que chegaram com quase nada e, hoje, têm filhos formados, netos sonhando alto. Palmas respira juventude, mas também carrega a sabedoria de quem começou tudo do zero.
















