
Existe um Brasil que raramente ganha espaço nas manchetes. Um país que não se mede em PIB, que não se traduz em hashtags, nem se resume a planilhas frias nas mesas de Brasília. Esse Brasil pulsa no meio do mapa — entre chapadas, cachoeiras, rios, trilhas, quilombos e igrejas centenárias. É o Brasil que canta sem microfone, reza de joelhos, dança diante do abismo como forma de resistência e expressão.
É esse Brasil profundo, simbólico e visceral que o Globo Repórter explora nesta sexta-feira, 25 de julho de 2025, em uma das jornadas mais sensoriais e emocionantes da televisão brasileira dos últimos anos.
Do rapel ao sagrado: uma jornada de corpo e alma
A reportagem, conduzida pelo jornalista Chico Regueira, não é apenas uma viagem física. É uma travessia existencial por territórios que formam não só o centro geográfico, mas também o cerne da identidade brasileira. De Minas Gerais à Chapada dos Veadeiros, passando por Ouro Preto, Brasília e a Candangolândia, o programa percorre geografias externas e internas — da adrenalina do rapel ao silêncio ancestral de uma senhora de 92 anos.
A aventura se inicia com uma trilha que já foi desbravada por tropeiros, garimpeiros e migrantes. São 24 quilômetros percorridos a pé pela Serra da Lapinha, em Minas, onde o cerrado e a mata atlântica se encontram como se disputassem espaço com o mistério.
O céu que fala: lendas e luzes inexplicáveis
Na Serra, moradores relatam aparições de luzes que cruzam o céu em movimentos inexplicáveis. Para uns, são espíritos. Para outros, fenômenos naturais. Para o Globo Repórter, são parte de um imaginário coletivo que insiste em sobreviver à racionalidade do século XXI.
“Não importa se é verdade ou não. É verdade para quem viu. E isso basta”, diz Chico Regueira, com a delicadeza de quem compreende que, no Brasil profundo, realidade e crença dançam juntas.
Cavalos como companheiros de travessia
No meio da trilha, o que mais impressiona não são os obstáculos naturais, mas a relação entre os moradores e seus cavalos. Esses animais não são apenas meio de transporte — são parceiros, extensão da própria alma dos tropeiros que, no passado, abriram caminhos com os pés no barro e os olhos no infinito. As cenas de cavalgada não têm pressa — e por isso mesmo emocionam.
Dormir no alto da cachoeira: uma experiência transcendental
Se a travessia é poética, o que vem a seguir é quase mítico. Pela primeira vez na televisão brasileira, uma equipe jornalística dorme a quase 200 metros de altura, no platô da Cachoeira do Tabuleiro, em Conceição do Mato Dentro — a maior de Minas e a terceira maior do Brasil.
Mais do que sua altura imponente, a cachoeira impressiona por sua espiritualidade. Ali, a natureza se impõe como uma catedral sem paredes, onde a água canta e a rocha prega. Nesse altar natural, conhecemos Jéssica, uma jovem guarda-parque que dança à beira do abismo como forma de meditação. “A natureza me escuta quando o mundo não escuta mais”, confessa, num dos momentos mais impactantes do programa — sem narração, sem trilha. Só o som do vento e da água.
A força da imagem: quando o corpo também grava
A experiência transforma a equipe. Dormir ali, sob estrelas tão próximas que quase tocam o rosto, altera a percepção. “A câmera grava, mas o corpo também grava. A alma grava”, diz Chico Regueira nos bastidores. O relato é íntimo e revela que, mais do que reportagem, o programa viveu uma imersão espiritual.
Ouro Preto e Mariana: cidades onde o tempo escorre como ouro
Do topo da montanha, o Globo Repórter mergulha para as entranhas da história. Em Ouro Preto e Mariana, o tempo ainda é medido pelo som dos sinos das igrejas, acionados manualmente por sinaleiros e mantidos com esmero por relojoeiros que tratam os mecanismos como filhos. “Isso aqui não é só um relógio. É a respiração da cidade”, diz um deles.
Mina da Passagem: nadar sobre a dor
Em Mariana, a equipe visita a Mina da Passagem, a maior mina de ouro aberta à visitação no mundo. Os túneis, escavados por mãos escravizadas, hoje estão inundados por águas cristalinas. Ali, a equipe mergulha em um cenário de beleza trágica. “É lindo, mas é triste. A gente nada sobre dor”, sussurra Chico. Os guias compartilham ditados populares, causos e assombrações. Um Brasil subterrâneo que ainda reluz — não mais pelo ouro, mas pela memória.
Brasília: o sonho moderno que quase foi sustentável
No Planalto Central, o programa troca a natureza bruta pela utopia urbana. Brasília, conhecida por suas formas geométricas, foi idealizada para o futuro — mas carrega em seus arquivos um passado que poderia ter sido mais ecológico do que jamais imaginamos.
Pesquisadores da UnB descobriram registros de um plano urbano que previa reaproveitamento de água, reflorestamento, hortas comunitárias e bairros autossuficientes — tudo antes de a palavra “sustentabilidade” virar tendência.
Candangolândia: os operários que viram Brasília nascer
Na Candangolândia, vila dos operários que construíram a capital, a equipe conversa com trabalhadores que testemunharam o nascimento da cidade. Dormiam em barracos improvisados, comiam pouco, mas sonhavam alto. “Eu vi Brasília nascer. E ainda acredito que ela pode renascer”, diz seu Raimundo, 85 anos, com os olhos marejados.
Rafting e urgência: navegando sobre o futuro do país
De volta à natureza, a equipe encara o rafting pelo Rio Paranã, o maior em volume do Brasil Central. A aventura embala uma verdade dura: mais da metade das nascentes do Cerrado estão ameaçadas.
O Cerrado é o berço das águas brasileiras. Seus rios abastecem regiões inteiras, mas o desmatamento, a mineração e o avanço da agropecuária seguem devorando silenciosamente o bioma. “Estamos navegando sobre o futuro do Brasil. Se o Cerrado secar, seca o país”, alerta o narrador, em um momento de pura urgência ambiental.
Kalungas: o Brasil que resistiu ao apagamento
A jornada se encerra na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, com o povo Kalunga — o último quilombo a resistir à escravidão. Escondidos nas montanhas por séculos, os Kalungas desenvolveram um modo de vida resiliente, independente e profundo.
Ali vive Dona Procópia, 92 anos, indicada ao Prêmio Nobel da Paz por sua luta na preservação da cultura quilombola. Em sua casa simples, entre cantigas, rezas e plantas medicinais, ela ensina os jovens a se reconectarem com suas raízes. “Minha avó foi escravizada. Minha mãe foi negada. Eu fui esquecida. Mas estou aqui. E ainda falo”, diz, com um sorriso que emociona mais do que qualquer discurso.
Um Brasil que resiste — e quer ser ouvido
O programa acompanha o cotidiano de Dona Procópia: a oração da manhã, o café coado no pano, a conversa com os jovens Kalungas que ela orienta com sabedoria. Ali, entre montanhas e histórias, sobrevive um Brasil que resistiu ao apagamento, mas que agora quer — e precisa — ser escutado.





