
Durante muito tempo, dividir a senha do streaming com a família, um amigo ou até aquele colega de trabalho mais próximo foi quase um ato de afeto moderno. Em tempos de tantas plataformas, mensalidades salgadas e uma infinidade de títulos a acompanhar, o compartilhamento de contas acabou se tornando um “jeitinho” comum — tolerado pelas empresas, aceito pelos usuários e até celebrado em memes nas redes sociais. Mas esse tempo, ao que tudo indica, está chegando ao fim. E a HBO Max é a próxima a apertar o cerco.
Durante a apresentação dos resultados financeiros do segundo trimestre de 2025, JB Perrette, chefe da divisão de streaming e jogos da Warner Bros. Discovery (WBD), foi direto ao ponto: a empresa vai endurecer o jogo contra o uso compartilhado de senhas fora do núcleo familiar. A declaração foi mais do que um aviso. Foi um prenúncio de uma mudança significativa na forma como as plataformas se relacionam com seu público — e com seus próprios números. As informações são do Deadline.
“A comunicação com os consumidores está prestes a ficar mais agressiva”, disse Perrette. Palavras que, embora curtas, carregam muito peso.
O fim do “jeitinho” digital
Compartilhar senhas de streaming sempre foi um segredo mal guardado da internet. Nos grupos de amigos, nas conversas entre familiares ou até nas redes sociais, era comum ver mensagens como “Quem tem a senha da HBO Max?” ou “Troco login da Netflix pela Disney+”. Mesmo sem incentivar explicitamente essa prática, as plataformas sabiam que isso acontecia — e, em muitos casos, deixaram passar.
Essa “vista grossa” teve um motivo: conquistar território. Durante a guerra dos streamings que marcou a última década, o objetivo era ganhar base de usuários, acostumar o público com o serviço, criar uma sensação de dependência. E deu certo. Mas agora, com o mercado mais consolidado, a estratégia mudou. O foco passou da expansão para a rentabilidade.
E aí, o que antes era tolerado virou prejuízo.
A mudança de postura do mercado
A HBO Max não está sozinha nessa cruzada. Ela segue o caminho iniciado pela Netflix, que em 2023 iniciou sua própria ofensiva contra o compartilhamento de senhas, implementando mecanismos de verificação de dispositivos e incentivando usuários “extras” a pagarem uma taxa adicional para continuarem assistindo.
Na época, a medida gerou polêmica. Muitos previram o colapso da base de assinantes, revolta nas redes sociais e cancelamentos em massa. Mas o que se viu foi diferente: a Netflix, mesmo enfrentando críticas, aumentou sua receita e conquistou novos assinantes pagantes. O modelo mostrou que o “fim da farra das senhas” poderia sim funcionar — ao menos do ponto de vista financeiro.
Desde então, Disney+, Hulu, Paramount+, Amazon Prime Video e agora a HBO Max têm caminhado na mesma direção.
Por que agora?
A Warner Bros. Discovery vive uma fase delicada. Apesar de ter adicionado 3,4 milhões de novos assinantes de streaming no segundo trimestre de 2025, impulsionada principalmente pela expansão internacional, a empresa ainda luta para transformar esse crescimento em lucro sólido.
A fusão entre WarnerMedia e Discovery, que originou a WBD em 2022, gerou muitas expectativas e também muitos cortes. Cancelamentos de produções, reestruturações internas e ajustes no catálogo do HBO Max (agora apenas “Max” em alguns mercados) foram reflexos dessa busca por eficiência.
Agora, a empresa parece mais estável — e pronta para mirar no lucro. O combate ao compartilhamento de senhas se encaixa perfeitamente nessa nova etapa: é uma forma de converter usuários “fantasmas” em assinantes reais, sem grandes investimentos em conteúdo novo ou marketing.
Segundo Perrette, a meta é fechar as brechas até o final de 2025, com impactos financeiros visíveis já em 2026. É um movimento pensado com frieza, com foco em resultados de longo prazo.
O impacto para os usuários brasileiros
No Brasil, onde a HBO Max encontrou uma base fiel graças a parcerias com operadoras, promoções agressivas e um catálogo recheado de títulos populares (como Game of Thrones, Euphoria, Harry Potter e novelas clássicas da Warner), o impacto pode ser especialmente sensível.
Muitos brasileiros dividem o streaming com amigos e familiares, como forma de reduzir os custos em meio à alta dos preços. Com a nova política, esse comportamento será desincentivado, e muitos usuários terão que decidir entre pagar individualmente ou abrir mão do conteúdo.
É provável que a WBD adote uma estratégia de comunicação gradual no país, explicando as mudanças e oferecendo alternativas para que o impacto não seja tão brusco. Mas, ainda assim, a reação pode ser ruidosa.
Um novo ciclo de consumo?
A repressão ao compartilhamento de senhas pode, paradoxalmente, forçar uma reorganização saudável no mercado de streaming. Ao invés de tentar manter assinaturas em todas as plataformas o tempo todo, os consumidores podem passar a escolher com mais critério o que assinar por mês, conforme suas prioridades.
Esse comportamento já existe — e tende a crescer. Com as plataformas criando conteúdos mais episódicos e lançando séries em blocos ou semanalmente, muitos usuários assinam por um mês, assistem ao que desejam, e depois cancelam. É a era do “streaming rotativo”.
Essa dinâmica, se bem compreendida pelas empresas, pode ser mais sustentável e até mais vantajosa: cria ciclos de audiência, fideliza por conteúdo e evita a saturação. Mas, para isso, é preciso ouvir o público e adaptar estratégias — e não apenas apertar os controles.
O futuro é pago, mas pode ser melhor
Em um mundo digital em constante transformação, o compartilhamento de senhas foi um reflexo da cultura do acesso. Agora, com as plataformas voltando o olhar para o faturamento, a tendência é que o acesso fique mais restrito — e mais caro.
A HBO Max tem o desafio de não apenas proteger sua receita, mas também preservar a relação de confiança com seu público. É possível? Sim. Mas requer mais do que notificações e bloqueios.
Será preciso diálogo, empatia e inovação.
















