
Existe algo de sagrado naquilo que nos moldou. Uma frase, uma imagem, uma voz. Para muitos, nos anos 80 e 90, essa fagulha veio com um grito que rasgava as manhãs diante da TV: “Pelo poder de Grayskull… eu tenho a força!” Mais que slogan de brinquedo, essas palavras se tornaram amuleto emocional de uma geração inteira.
Quarenta anos depois, essa voz retorna — mais madura, mais densa, mais atual. Em 2026, “He-Man e os Mestres do Universo” ganhará seu tão aguardado filme em live-action. Mas o que poderia ser apenas mais uma aposta nostálgica de Hollywood se transformou em algo maior. Com direção de Travis Knight (Kubo, Bumblebee) e produção da Amazon MGM Studios, o projeto resgata não só o mito de He-Man — resgata também um tipo de heroísmo que parecia esquecido: aquele que nasce da vulnerabilidade.
Do Desenho ao Cinema: Uma Jornada de Persistência
É quase poético que um personagem cujo poder vem da fé em si mesmo tenha enfrentado tantos anos de rejeição em Hollywood. Desde os anos 2000, o retorno de He-Man foi anunciado inúmeras vezes — e tantas outras engavetado. Diretores entraram e saíram. Estúdios hesitaram. A Netflix investiu milhões e recuou. A Sony chegou a marcar data. Nada vingou.
Mas, como nas melhores sagas, a força resistiu. Em 2024, a Amazon MGM assumiu as rédeas. E ao invés de tentar capitalizar apenas em cima da nostalgia, a ideia foi construir algo que honrasse os sentimentos de quem cresceu com a série, ao mesmo tempo em que convidasse novos públicos a se emocionar com um herói que, antes de ser forte, precisa se encontrar.
Adam Glenn: Um Príncipe Exilado em Busca de Si Mesmo
Esqueça o herói que já nasce pronto. No novo filme, Adam Glenn, ainda criança, é arrancado de Eternia e lançado à Terra. Cresce sem memória do que foi ou do que poderia ter sido. Quando adulto, interpretado por Nicholas Galitzine (Vermelho, Branco e Sangue Azul), ele se vê dividido entre dois mundos: o real, onde nunca se encaixou, e o mítico, que exige dele uma coragem que ele não sabe se possui. A proposta não é apenas grandiosa — é emocionalmente íntima. He-Man não surge como um semideus. Ele precisa descobrir seu valor, sua origem, suas falhas. É um herói que sangra, que duvida, que carrega ausências. E por isso mesmo, é um herói que importa.
Um Elenco que Respira os Personagens
Para dar vida a essa Eternia renovada, o filme reuniu um elenco que vai além da beleza física ou da fama. Nicholas Galitzine, com sua mistura de vulnerabilidade e carisma, promete um He-Man diferente — menos pose, mais alma. Ao seu lado, Camila Mendes interpreta uma Teela vibrante, questionadora, que representa uma nova força feminina: não à sombra do herói, mas ao seu lado — e muitas vezes à sua frente. O vilão Keldor, que se tornará o temido Esqueleto, é vivido por Jared Leto, numa interpretação que promete fugir do maniqueísmo. Ele não é apenas o mal encarnado. É um homem quebrado, marcado por rejeições, com sede de pertencimento.
Idris Elba traz gravidade e nobreza ao papel de Duncan, o lendário Homem de Armas, enquanto Alison Brie rouba cenas como a manipuladora e magnética Evil-Lyn. Morena Baccarin, Hafthor Bjornsson, James Purefoy e Charlotte Riley completam o elenco com personagens que, mesmo secundários, foram escritos com profundidade, dando ao filme uma densidade rara em blockbusters do gênero.
Grayskull Não É Apenas Um Castelo — É Um Símbolo
As filmagens, encerradas em junho de 2025, aconteceram nos estúdios de Londres e envolveram seis meses de produção intensa. A direção de fotografia de Fabian Wagner (Game of Thrones) imprime ao filme um tom épico, mas contido. Não há excesso visual: há reverência ao mito. O Castelo de Grayskull foi reconstruído com efeitos práticos e digitais, mantendo o equilíbrio entre o antigo e o novo. O design é ancestral, carregado de história, mas também inovador. Um reflexo do próprio filme, que olha para o passado com gratidão e para o futuro com ambição.
Mais do que Batalhas, Um Filme Sobre Pertencimento
Se há algo que diferencia esse He-Man das versões anteriores, é o tom. O roteiro de Chris Butler aposta em diálogos introspectivos, relações quebradas, memórias perdidas. Fala-se de abandono, de paternidade, de sacrifício. He-Man é um épico, sim. Mas é também um drama — e isso é seu maior trunfo. Mattel, co-produtora do filme, entendeu que não se trata de vender bonecos. Trata-se de resgatar valores. E, acima de tudo, reconectar o público com uma ideia que nunca deveria ter saído de moda: o bem é possível. O bem é necessário. O bem é transformador.
Uma Frase Que Nunca Deixou de Fazer Sentido
“Eu tenho a força.” Tantas vezes repetida, tantas vezes transformada em bordão, essa frase ganhou camadas novas no roteiro. Não é mais apenas um grito de guerra. É um grito de identidade. Quando Adam a diz, ele não está apenas convocando poderes místicos. Ele está afirmando quem é. Está aceitando sua jornada, suas dores, sua missão. E é isso que transforma o filme em algo maior do que um produto de entretenimento: transforma em catarse.
Travis Knight
Em entrevistas recentes, Travis Knight compartilhou que assistia ao desenho de He-Man quando criança. E que aquilo moldou seu senso de justiça. “Ele era o cara que sempre acreditava que o bem venceria. Mesmo quando estava sozinho. Mesmo quando parecia impossível. Isso ficou comigo”, disse o diretor. Para ele, o desafio era fazer um filme que fosse visualmente arrebatador, sim — mas que também emocionasse. Que fizesse pais chorarem ao lado de seus filhos, não por nostalgia, mas por se verem ali. E tudo indica que ele conseguiu.
















