
Durante anos, os leitores do Reino Unido comentaram, recomendaram e devoraram os livros do Clube de Assassinatos de Marlow, uma série policial que reúne tudo aquilo que o público de mistério adora — crimes engenhosos, humor seco e personagens que surpreendem pela humanidade. Agora, esse fenômeno literário finalmente desembarca no Brasil pelas mãos da editora Tordesilhas, trazendo consigo o charme das vilas inglesas e a astúcia narrativa de seu criador, Robert Thorogood.
Thorogood, conhecido por seu trabalho como roteirista de TV, encontrou na pequena cidade de Marlow o cenário perfeito para revisitar o espírito dos romances clássicos. Mas, ao contrário do que se vê em tantos suspenses tradicionais, seus protagonistas não são policiais endurecidos nem detetives de gabinete. Ele preferiu as vozes que raramente estão no centro de histórias de crime: mulheres maduras, inteligentes, curiosas e subestimadas.
A imprensa britânica abraçou a saga desde o início. O tabloide The Sun chegou a definir os livros como “Agatha Christie com um toque moderno”, uma comparação que parece superficial à primeira vista — mas que ganha sentido quando se mergulha na escrita elegante do autor, nas pistas espalhadas com precisão cirúrgica e no prazer quase lúdico de acompanhar uma investigação que exige dedução, paciência e sensibilidade.
O nascimento de uma detetive improvável
O primeiro volume apresenta Judith Potts, uma senhora de 77 anos que vive sozinha às margens do Rio Tâmisa e que, em vez de encarar a idade como um peso, faz dela um território de liberdade. Criadora de palavras-cruzadas, nadadora noturna e dona de um humor tão afiado quanto sua observação, Judith testemunha um assassinato durante um de seus mergulhos. Quando a polícia desconfia de seu relato, ela faz o que faria qualquer protagonista teimosa: decide investigar por conta própria.
É aí que entram Suzie, uma dog walker expansiva e destemida, e Becks, esposa do vigário local, disciplinada e metódica. A química entre as três é o coração dos livros — uma amizade nascida não da afinidade imediata, mas da necessidade de enfrentar juntas um crime que, aos poucos, revela a face obscura de uma cidade onde “todo mundo conhece todo mundo”, mas ninguém conhece verdadeiramente ninguém.
A partir desse ponto, Thorogood abre as portas de Marlow para o leitor. Nada é tão tranquilo quanto parece, e cada esquina guarda uma história que, se não chega a ser trágica, certamente é curiosa o bastante para alimentar o faro investigativo das protagonistas.
Crimes que desafiam a lógica e reforçam o charme britânico
No segundo livro, A morte chega a Marlow, o trio se vê diante da morte de um ilustre morador local, sir Peter Bailey, esmagado por uma estante na véspera do próprio casamento. O caso parece acidental, mas Judith e suas amigas pressentem que há algo profundamente errado. O que se segue é uma investigação digna dos melhores locked-room mysteries, aqueles enigmas quase impossíveis em que a vítima é encontrada em um local que deveria ser completamente seguro.
Thorogood conduz a narrativa com ritmo leve, mas nunca superficial. Ele sabe como criar suspeitos interessantes, pistas ambíguas e pequenas ironias do cotidiano britânico — aquelas que fazem o leitor sorrir antes mesmo de perceber que está diante de mais uma pista.
Já no terceiro volume, A rainha dos venenos, o crime é ainda mais ousado: o prefeito de Marlow morre após ingerir acônito, um veneno poderoso. O incidente ocorre durante uma reunião do conselho municipal, transformando o evento em um espetáculo público de choque e especulação. Agora oficialmente consultoras da polícia, Judith, Suzie e Becks se veem envolvidas no tipo de investigação que desmonta reputações, reacende antigos rancores e mostra que nem sempre os vilões se escondem — às vezes, eles ocupam posições de destaque.
A adaptação que conquistou o público britânico
O sucesso dos livros rapidamente chamou a atenção da televisão. A série The Marlow Murder Club, estrelada por Samantha Bond, capturou a delicadeza dos romances sem abrir mão de sua essência mais divertida: a amizade entre três mulheres que redescobrem o prazer de viver enquanto investigam crimes. O público britânico abraçou o seriado com entusiasmo, e hoje ele já coleciona duas temporadas completas — com a terceira prevista para 2026.
A adaptação reforça uma tendência recente do audiovisual britânico: histórias policiais mais humanas, que privilegiam personagens reais e falhas, em vez de gênios infalíveis. Em Marlow, as pistas importam tanto quanto o afeto que nasce entre protagonistas tão diferentes, mas unidas pelo desejo de fazer justiça.
Por que a saga encontrou tanto espaço no coração dos leitores
Há muitos motivos para o sucesso da saga, mas três elementos se destacam.
Primeiro, os mistérios são genuinamente inteligentes. Thorogood nunca entrega soluções fáceis; ao contrário, convida o leitor a participar do jogo, espalhando pistas visíveis apenas para quem sabe olhar.
Segundo, as personagens têm profundidade emocional. Judith não é apenas uma senhora excêntrica; ela é uma mulher que decidiu que o envelhecimento não a tornaria invisível. Suzie equilibra coragem e vulnerabilidade, e Becks luta para conciliar suas responsabilidades com o desejo de descobrir quem realmente é.
Terceiro, os livros conseguem unir atmosfera acolhedora e tensão policial — uma combinação que lembra o aconchego dos antigos “mistérios de poltrona”, mas com frescor suficiente para dialogar com o público contemporâneo.
Um novo público para um sucesso já consolidado
Com a chegada dos três primeiros volumes às livrarias brasileiras, os leitores passam a ter acesso não só às histórias, mas ao universo completo de Marlow — uma cidade onde o chá está sempre quente, os vizinhos sempre observadores e os crimes sempre mais complexos do que parecem. A edição da Tordesilhas preserva o charme da obra original e abre caminho para um novo público que certamente encontrará no trio de protagonistas algo raro: histórias de mistério protagonizadas por mulheres maduras, escritas com respeito, humor e sensibilidade.





