Morre Arlindo Cruz, sambista que eternizou o coração do Rio e do Brasil, aos 66 anos

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Foto: Reprodução/ Internet

Na tarde desta sexta-feira, 8 de agosto, o Rio de Janeiro e o Brasil perderam uma das vozes mais autênticas e inconfundíveis da história do samba. Arlindo Domingos da Cruz Filho, conhecido mundialmente como Arlindo Cruz, faleceu aos 66 anos no Hospital Barra D’Or, na Zona Oeste carioca, após uma longa e heroica luta contra as sequelas de um acidente vascular cerebral hemorrágico sofrido em 2017. Um guerreiro até o último instante, Arlindo não apenas deixou um legado musical, mas também uma história de resistência, amor e inspiração que atravessa gerações. As informações são do G1.

Ao seu lado até os momentos finais esteve Babi Cruz, sua companheira de vida e força constante por mais de 26 anos, que, emocionada, confirmou o falecimento e ressaltou a imensidão do coração do artista. Ela confirmou o falecimento em lágrimas, simbolizando a força e a determinação que marcaram toda a trajetória do artista que sempre será lembrado pelas suas canções.

Nascido em 14 de setembro de 1958, no bairro do Méier, na zona norte do Rio, Arlindo cresceu em um ambiente permeado pela cultura musical carioca. O samba fazia parte da rotina familiar tão naturalmente quanto o café coado pela manhã. Filho de Aracy e Arlindo Cruz, foi presenteado com seu primeiro cavaquinho aos 7 anos, instrumento que se tornaria uma extensão de sua alma e acompanharia toda sua trajetória artística. Já aos 12 anos, dominava melodias de ouvido, um talento precoce que foi lapidado na Escola Flor do Méier, onde estudou teoria musical e violão clássico — a base técnica que lhe permitiu, ao longo da vida, unir rigor e emoção em suas composições.

O primeiro impulso decisivo na carreira veio ao lado do lendário Candeia, um mestre que lhe ensinou que o samba é resistência, história e poesia. Em 1981, Arlindo tornou-se figura frequente na roda de samba do Cacique de Ramos, um verdadeiro santuário do gênero, onde conviveu com grandes nomes como Jorge Aragão, Beth Carvalho, Almir Guineto e Beto Sem Braço. Ali, a tradição pulsava viva, cheia de improvisos e narrativas da vida cotidiana, formando o cenário perfeito para o amadurecimento do seu estilo único. Não demorou para que suas composições começassem a ser gravadas por vozes consagradas, como Beth Carvalho, que eternizou “Grande Erro”, e Alcione, com “Novo Amor”.

Quando Jorge Aragão deixou o Fundo de Quintal, Arlindo foi convidado a integrar o grupo, onde permaneceu por doze anos, transformando o coletivo em sua casa e laboratório criativo. Clássicos como “Seja Sambista Também” e “O Mapa da Mina” nasceram dessa fase, consolidando a poesia urbana e o balanço autêntico que definiram sua assinatura musical. Em 1993, iniciou sua carreira solo, lançando o álbum Arlindinho e, posteriormente, consolidando parcerias memoráveis, como com o Sombrinha, que garantiram uma série de sucessos e a consagração definitiva de seu nome no samba.

O auge comercial e artístico veio em 2009, com o álbum MTV ao Vivo: Arlindo Cruz, gravado em São Paulo e que ultrapassou a marca de 100 mil cópias vendidas, tornando-se um marco para o gênero. Sua arte ecoou não apenas nas rodas de samba e bares, mas também nas avenidas das escolas de samba do Rio, onde conquistou 19 concursos de samba-enredo por agremiações como Império Serrano e Vila Isabel. Reconhecido internacionalmente, Arlindo recebeu cinco indicações ao Grammy Latino, levando a riqueza do samba brasileiro para os mais diversos palcos do mundo.

Em março de 2017, a vida testou sua resistência de maneira cruel com um AVC hemorrágico que quase silenciou seu cavaquinho. O artista enfrentou meses de internação, cirurgias delicadas e uma árdua rotina de fisioterapia, incluindo tratamentos inovadores, como o uso de óleo de cannabis. Apesar das limitações físicas e da fala comprometida, Arlindo jamais perdeu a alegria, a esperança e o sorriso que se tornaram símbolos de uma luta incansável pela vida. Em 2018, seus 60 anos foram celebrados com uma homenagem emocionante de amigos, fãs e parceiros, reafirmando seu legado e a admiração que inspirava.

Nos anos seguintes, mesmo diante das dificuldades e complicações de saúde, Arlindo permaneceu um farol de inspiração para muitos, até sua internação definitiva em maio de 2025. A partida física deixou um vazio imenso, mas sua história, marcada por coragem e amor à cultura popular, segue viva no coração de seus admiradores e na memória do samba.

Mais do que um músico, Arlindo Cruz foi um narrador da alma brasileira. Suas letras capturaram os amores, as dores, as batalhas e as esperanças do povo. Músicas como “Meu Lugar” e “O Show Tem Que Continuar” se tornaram verdadeiros hinos, traduzindo o sentimento coletivo e conectando gerações. Seu cavaquinho, banjo e voz eram pontes que ligavam comunidades, rodas de samba e a essência do Rio de Janeiro.

Casado oficialmente com Babi Cruz desde 2012, pai dedicado de Arlindinho e Flora, Arlindo encontrou na família seu porto seguro. Arlindinho, seu filho, seguiu os passos do pai e juntos lançaram o projeto Pagode 2 Arlindos pouco antes do acidente, perpetuando uma herança musical que atravessará os tempos.

Em 2025, Arlindo foi homenageado com a biografia O Sambista Perfeito, obra que reuniu depoimentos emocionados de grandes nomes como Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, celebrando não apenas os prêmios e conquistas, mas a identidade cultural e o afeto que ele construiu ao longo da vida.

A despedida oficial acontecerá na quadra do Império Serrano, escola de samba que foi seu segundo lar e paixão. Espera-se um encontro de gerações, sambistas, fãs e amigos que, juntos, celebrarão a trajetória de Arlindo com música, alegria e saudade — na cadência do samba que nunca deixará de tocar.

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