
Na madrugada desta sexta, 8 de agosto, o público que acompanhar o Conversa com Bial vai se deparar com um Alexandre Nero diferente daquele que se acostumou a ver nas telas. Longe das armaduras de personagens intensos, vilões magnéticos e protagonistas cheios de nuances, o ator abre um espaço raro para falar de si — não apenas do artista, mas do homem que carrega histórias de perdas profundas, aprendizados dolorosos e descobertas sobre o amor.
O encontro se transforma rapidamente em algo mais que uma entrevista. É quase um exercício público de memória e autoconhecimento. Ao falar sobre a morte precoce dos pais, Nero relembra o quanto se apoiou no humor para evitar encarar o luto de frente. Ele conta que, durante décadas, desviava das perguntas sobre o assunto com piadas rápidas, como quem fecha a porta antes que a dor entre. “Fazer piada era um jeito de não me deixar cair num buraco”, revela. Hoje, aos 55 anos, reconhece que não precisa mais fugir: “Agora entendo que falar sobre isso é enfrentar”.
Se a conversa começa com as perdas, ela inevitavelmente caminha para as relações que Nero construiu — e, muitas vezes, desconstruiu — ao longo da vida. Ele admite que passou grande parte da juventude e da vida adulta descrente no amor. Para ele, os relacionamentos eram capítulos fadados ao fim, histórias sem final feliz. “Eu vivi muitos anos achando que não poderia ser amado”, confessa.
O ponto de virada veio com a chegada da esposa, Karen Brusttolin, e, depois, dos filhos Noá e Inã. A paternidade, especialmente, abriu um território emocional novo. “Meu filho foi o maior convite para eu entender que o amor não precisa ir embora”, diz. No olhar para as crianças, encontrou uma forma de se sentir pertencente — algo que, segundo ele, nunca tinha experimentado por inteiro.
Embora a televisão tenha projetado seu nome nacionalmente, a carreira de Alexandre Nero começou bem antes dos estúdios e câmeras. Curitibano, ele se formou artisticamente nos palcos e na música. Fundou associações culturais, integrou bandas, compôs, cantou, tocou. O teatro também foi seu laboratório criativo, um espaço onde aprendeu a lidar com diferentes papéis e linguagens.
Na TV, sua trajetória é marcada por personagens que fogem da previsibilidade. Do verdureiro Vanderlei, em A Favorita (2008), ao Comendador José Alfredo, de Império (2014), passando pelo dúbio Romero Rômulo, em A Regra do Jogo (2015), Nero construiu uma reputação de intérprete que mergulha nas contradições humanas. Recebeu prêmios, elogios da crítica e até uma indicação ao Emmy Internacional — reconhecimento que ele considera fruto do risco que gosta de correr em cada papel.
O que chama atenção, no bate-papo com Bial, é como Nero consegue transitar do artista ao homem comum sem perder a franqueza. Ele fala de seu trabalho com a mesma honestidade com que aborda temas íntimos. Relembra que já viveu tipos agressivos, cômicos, sedutores e sombrios, mas que nenhum personagem é capaz de prepará-lo para os papéis que a vida real impõe — como o de lidar com a ausência dos pais ou com a missão de criar filhos num mundo cada vez mais desafiador.
Nesse sentido, a entrevista acaba revelando algo que vai além de curiosidades sobre a vida pessoal ou de bastidores: mostra como a sensibilidade que ele leva para a ficção está enraizada em experiências reais, muitas delas marcadas pela dor.
Se existe um fio condutor na conversa, é a ideia de que ninguém se constrói sozinho. Nero reconhece que, até conhecer Karen, mantinha um certo distanciamento afetivo, como se o envolvimento emocional fosse perigoso. O casamento e a chegada dos filhos alteraram essa percepção. “Quando você tem um filho, percebe que não existe a possibilidade de se proteger completamente. O amor vem, e você não controla”, afirma.
Essa mudança não aconteceu da noite para o dia. Foi — e continua sendo — um processo. Ele admite que ainda luta contra velhos padrões e que o medo da perda não desaparece, mas hoje prefere correr o risco de sentir a se manter fechado.
No programa, há também espaço para falar de música, essa outra metade da sua vida artística que, muitas vezes, caminha paralela à atuação. Nero vê na música uma forma de expressão menos filtrada. Enquanto um personagem é sempre uma construção coletiva, feita de texto, direção e interpretação, a música nasce dele por inteiro. “Tem coisas que não consigo falar, mas consigo cantar”, resume.
Seja nos palcos ou nos estúdios, ele trata a música como um lugar onde não precisa desempenhar nenhum papel — onde pode, simplesmente, ser.
Um exemplo de vulnerabilidade na cultura pop
Em tempos em que a imagem pública costuma ser cuidadosamente controlada, ver um ator do porte de Alexandre Nero expor fragilidades em rede nacional é algo significativo. Ao falar sobre luto, sobre não acreditar no amor, sobre os erros e aprendizados, ele abre espaço para que o público também se identifique e reflita sobre a própria história. O tom da entrevista é íntimo, mas não melancólico. Existe dor, sim, mas também existe humor — aquele mesmo humor que já foi uma defesa, mas que hoje aparece como tempero de uma vida que aprendeu a aceitar luz e sombra no mesmo prato.
Um artista que segue em movimento
O programa também reserva momentos para revisitar alguns trabalhos marcantes, como a estreia no horário nobre, a consagração com o Comendador, os desafios de interpretar vilões e as mudanças no mercado de teledramaturgia. Nero, no entanto, não demonstra nostalgia excessiva: prefere falar do que ainda pode fazer. “Eu gosto de me colocar em risco, de não repetir fórmula. Se ficar confortável, perde a graça”, diz. Essa inquietação garante que, mesmo após décadas de carreira, ele continue sendo um nome relevante e instigante no cenário artístico brasileiro.
















