Foto: Reprodução/ Internet

Há algo curioso — e preocupante — acontecendo na televisão brasileira. Enquanto o público se transforma, busca novas narrativas e mergulha em plataformas de streaming, as emissoras parecem andar em círculos. O que antes era espaço de inovação, ousadia e experimentação virou terreno de reciclagem. E a mais nova promessa desse looping criativo é a possível continuação de Avenida Brasil, um dos maiores fenômenos da história da TV Globo.

A ideia de revisitar um sucesso desse porte é tentadora. A novela de João Emanuel Carneiro foi um divisor de águas em 2012 — ousada, vibrante e pop, com personagens antológicos e um ritmo narrativo que modernizou o gênero. Só que o tempo passou. E a simples pergunta — “precisamos mesmo de uma sequência?” — já revela o problema.

A cultura da repetição

Remakes e continuações sempre existiram, mas hoje parecem ser o centro da estratégia da teledramaturgia. A Globo, que um dia apostava em histórias inéditas e autores dispostos a arriscar, agora vive de revisitar o passado. Pantanal, Elas por Elas, Renascer, Vale Tudo e agora, supostamente, Avenida Brasil 2. É uma tendência que beira o esgotamento criativo.

A justificativa oficial costuma ser “homenagear clássicos”, “apresentar a nova geração” ou “celebrar a memória afetiva do público”. Mas, sejamos honestos: no fundo, trata-se de uma tentativa de recuperar audiência perdida. O passado virou uma estratégia de sobrevivência. E o problema é que, quando o passado se torna muleta, o futuro deixa de existir.

O risco da continuação impossível

Entre todos os títulos cogitados para ganhar sequência, Avenida Brasil é o caso mais simbólico — e talvez o mais perigoso. Sua história se fechou com perfeição: Carminha foi perdoada, Nina se libertou, e o ciclo de vingança se transformou em redenção. Tudo ali tinha um ponto final emocional e narrativo. Reabrir esse universo seria como desenterrar uma história que já encontrou paz.

Além disso, o contexto de 2012 não existe mais. A novela foi o retrato de um país que ainda acreditava em mobilidade social, no mito do “novo rico” e no poder da esperteza como ascensão. Era um Brasil de classe média ascendente, de memes inocentes e humor popular. Hoje, o cenário é outro — mais cínico, mais fragmentado e muito menos disposto a comprar a mesma história embrulhada em nostalgia.

É difícil imaginar uma sequência que não soe artificial ou oportunista. E é justamente isso que torna o projeto duvidoso: ele parece nascer mais do desejo de repetir um faturamento bilionário do que da vontade de contar uma nova história.

O declínio da ousadia

A teledramaturgia brasileira já foi sinônimo de risco. Dos experimentos narrativos de Janete Clair e Dias Gomes à linguagem de João Emanuel Carneiro e Glória Perez, as novelas eram espelhos do país — complexas, provocativas, cheias de identidade.

Hoje, o que se vê é o medo de errar. E, nesse medo, a repetição vira um abrigo confortável. O público, no entanto, não é o mesmo. Ele é mais exigente, mais fragmentado e, sobretudo, saturado de reprises disfarçadas de novidade.

Ao insistir em reviver o que deu certo, as emissoras passam a mensagem de que não confiam mais em sua própria capacidade de criar impacto. E isso é trágico. Porque o verdadeiro legado de uma novela como Avenida Brasil não está em continuar sua história, mas em inspirar novas.

A nostalgia como produto

A nostalgia, quando usada com propósito, pode ser poderosa. Ela reconecta o espectador à emoção do passado. Mas, quando usada como isca comercial, vira um produto vazio. O público é levado a acreditar que está revivendo algo, quando na verdade está consumindo uma simulação do que já foi.

Essa lógica transforma o que antes era arte popular em franquia. E novela não deveria ser franquia. Ela é viva, orgânica, construída no calor do momento — no diálogo com o país, com o cotidiano e com o público. Quando o mercado tenta industrializar esse sentimento, tudo perde verdade. A sensação é a de ver um disco riscado: o mesmo som repetido até a exaustão, com a ilusão de que se trata de algo novo.

Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.

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