Opinião | O terror já não nos assusta como antes — e talvez esse seja o problema

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Tem uma coisa que a gente não pode negar: o terror, quando é bom, deixa a gente com medo até de abrir a geladeira de madrugada. Mas, convenhamos, quantas vezes você realmente saiu do cinema sentindo aquele friozinho na espinha nos últimos anos? Dá pra contar nos dedos, né?

A verdade é que o cinema de terror anda precisando se reinventar — ou melhor, tem tentado se reinventar, mas nem sempre acerta o ponto. E isso não é culpa do gênero em si. O problema tá mais em como o medo vem sendo reciclado, embalado e vendido como se fosse sempre a mesma história: casa mal-assombrada, espírito vingativo, adolescente burro que desce pro porão, jumpscare atrás de jumpscare. Você assiste e pensa: “Ué, já vi isso antes… umas 47 vezes”.

Mas, calma, nem tudo está perdido. Ainda tem gente fazendo coisa boa — e é sobre isso que a gente precisa falar.

O terror já foi underground. Agora é pop. E isso muda tudo.

Antigamente, o terror era aquele primo esquisito dos outros gêneros. Tava lá nos cantos, sangrando, gritando, mas nunca era levado muito a sério. Era visto como “entretenimento barato”. Só que aí, nos últimos 20 anos, o jogo virou. Filmes como O Sexto Sentido, O Chamado, Atividade Paranormal, Invocação do Mal e, mais recentemente, Corra! e Hereditário, colocaram o terror na mesa dos grandes. E, junto com isso, veio a responsabilidade: o público ficou mais exigente, mais analítico, mais… chato?

Talvez não chato, mas definitivamente mais atento. A galera quer mais do que susto. Quer história, quer simbologia, quer profundidade emocional. O terror passou a ser uma lente potente pra explorar temas sérios: racismo, luto, depressão, relações familiares. Isso é lindo. Mas também criou um novo desafio: como manter o susto e o incômodo quando o público já tá preparado pra tudo?

O grande dilema: susto ou reflexão? E se der pra ter os dois?

Um dos maiores erros do terror atual é achar que precisa escolher entre ser inteligente ou ser assustador. Como se não desse pra fazer as duas coisas. Spoiler: dá, sim. E alguns diretores estão provando isso.

Jordan Peele é o exemplo mais falado. Com Corra! e Nós, ele mostrou que dá pra fazer terror com crítica social, mas sem esquecer da tensão e do impacto visual. Ari Aster, com Hereditário e Midsommar, transformou o trauma em pesadelo. Robert Eggers foi lá e entregou A Bruxa e O Farol, misturando o grotesco com o existencial. São filmes que te perturbam porque são estranhamente… possíveis. Eles conversam com nossos medos reais: de perder alguém, de enlouquecer, de não ser ouvido.

Mas aí o mercado percebe isso, e o que acontece? Começam as cópias. E, claro, nem todo mundo tem o mesmo talento. O resultado? Uma leva de filmes que parecem feitos em série: tem a estética, tem o clima, mas não tem alma.

A armadilha da fórmula: quando o susto é só automático

A gente precisa falar dos jumpscares. Eles não são o problema em si — aliás, quando bem usados, funcionam muito bem. O problema é quando viram muleta. A cena tá calma demais? Taca um barulho alto do nada! Um gato pulando, uma porta rangendo, uma TV que liga sozinha. Tudo previsível.

O susto genuíno não vem do volume alto, vem da construção do medo. E isso exige roteiro, direção, atuações minimamente comprometidas. Por isso, quando um filme realmente entrega isso, ele se destaca. Porque o resto virou ruído.

Streaming: liberdade criativa ou zona de conforto?

Com a explosão do streaming, o terror ganhou espaço como nunca antes. Netflix, Prime Video, Star+, Max, Apple TV… todo mundo quer um terrorzinho pra chamar de seu. O lado bom: mais gente fazendo, mais diversidade de histórias, mais espaço pra narrativas alternativas.

O lado ruim? Muita coisa sendo feita às pressas, pra cumprir catálogo. Filmes esquecíveis, genéricos, que parecem feitos por inteligência artificial: título misterioso, capa escura, personagens aleatórios, e uma reviravolta final que tenta ser genial, mas só confunde.

O terror não pode virar fast food. Porque ele depende da atmosfera, da tensão construída aos poucos, da empatia com os personagens. Não dá pra “maratonar” terror como se fosse uma série de comédia. Precisa respirar.

E o terror brasileiro? Tá acordando, mas ainda tá tímido

Olha, tem coisa boa sendo feita aqui também. Filmes como Morto Não Fala, As Boas Maneiras, O Animal Cordial e Noites Alienígenas mostram que o terror nacional tem potencial de sobra. O problema, como sempre, é grana e distribuição. É difícil competir com os blockbusters americanos.

Mas se tem uma coisa que o Brasil tem é medo real. Nossa realidade é cheia de tensão, violência, desigualdade, fantasmas políticos, traumas históricos. O cinema de terror brasileiro ainda pode beber muito dessa fonte. Basta ter coragem — e investimento.

O que o público quer — e o que o terror precisa entregar

A gente quer mais do que o velho truque da porta que se fecha sozinha. Queremos sentir. Queremos sair do cinema mexidos. Não precisa nem ser com medo — pode ser com estranhamento, com desconforto, com reflexão. O terror pode ser mais do que o barulho. Pode ser silêncio, pode ser sugestão, pode ser sutileza.

O bom terror deixa rastro. Não é aquele que você esquece depois dos créditos. É aquele que fica com você quando as luzes se apagam. É o que faz você olhar duas vezes pro espelho do banheiro.

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