
Em tempos em que o romance de época muitas vezes se limita à fantasia de vestidos esvoaçantes e bailes perfumados, Paula Toyneti Benalia ousa mirar mais fundo — no que se esconde por trás dos sorrisos formais, das alianças forjadas por conveniência e dos corações soterrados por mágoas. Em “Uma Lua de Amor”, seu mais recente romance, a autora nos oferece uma história que vai além do encantamento estético. O que encontramos, em sua essência, é um confronto visceral entre dois destinos despedaçados, obrigados a coexistir sob as amarras da honra, da perda e daquilo que restou da esperança.
Escrito com precisão emocional e uma sensibilidade incomum, “Uma Lua de Amor” se passa em uma Londres do século XIX coberta por névoas — não apenas as climáticas, mas também aquelas que encobrem os sentimentos dos protagonistas. Em vez do cenário de sonho que muitos esperariam, a narrativa se desenrola em meio a feridas abertas, ressentimentos ardentes e uma atmosfera que remete mais ao confronto interno do que aos encantos da alta sociedade.
Dois destinos em ruínas
Logo de início somos apresentados a Gabriel, um duque que carrega nas costas muito mais do que um título. O peso das perdas que sofreu — a morte da mãe, a separação da irmã e a traição da mulher que amava — o empurra para um abismo que parece não ter fim. Despido de fortuna, afeto e propósito, Gabriel escolhe se agarrar à única chama que lhe resta: a vingança.
Seu plano é cruel, e soa como um grito desesperado de alguém que perdeu qualquer referência de amor. Ao sequestrar Isabel, irmã mais nova de Sarah (a mulher que o rejeitou), Gabriel pretende destruir o prestígio da família e, com isso, recuperar algum tipo de poder — financeiro e simbólico. O casamento forçado, em uma época em que a reputação de uma mulher era seu maior bem, surge como arma definitiva.
Mas o que ele não contava era que, dentro da delicadeza de Isabel, morava uma força que nem o rancor dele seria capaz de dominar.
Isabel: a coragem de quem escolhe não se corromper
Isabel é apresentada como uma jovem sonhadora, apaixonada por livros e fantasias, mas a cada página ela prova ser mais do que isso. Sua resistência não se dá por confrontos abertos, mas por uma teimosia amorosa de não se deixar endurecer. Ela não ignora a violência que sofre — sente, sofre, se encolhe — mas não se permite perder a fé de que, dentro do homem que a aprisiona, ainda há humanidade.
Essa fé é testada repetidas vezes. E é exatamente nela que Paula constrói uma personagem que rompe com o clichê da mocinha frágil. Isabel é corajosa porque sente medo. É forte porque se nega a odiar. É revolucionária porque escolhe amar onde havia apenas ruína.
Sua presença, ao contrário do que Gabriel planejava, não o destrói — o reconstrói.
Amor que não idealiza, mas transforma
O ponto mais poderoso de “Uma Lua de Amor” talvez esteja justamente na forma como Paula subverte o conceito tradicional de amor em romances de época. O sentimento que nasce entre Gabriel e Isabel não surge de olhares cruzados em bailes iluminados, mas de silêncios incômodos, noites frias e confrontos internos. É um amor suado, desconfortável, cheio de culpa e confusão — como é o amor real, especialmente quando se trata de dois personagens quebrados.
A autora não romantiza as escolhas erradas de Gabriel. Ao contrário: ela permite que ele enfrente suas sombras, que escute seus próprios erros ecoando nos olhos de Isabel. Só depois disso — e só por causa disso — é que a transformação se torna possível.
O romance entre os dois é construído em camadas: começa com repulsa, atravessa o espanto, caminha para a curiosidade, alcança a compaixão e, por fim, explode em afeto. E ainda assim, tudo permanece frágil — como deve ser. A autora não oferece finais fáceis. Oferece caminhos.
Um romance histórico com alma contemporânea
Apesar de ambientada no século XIX, a obra traz uma pulsação extremamente atual. Os dilemas que os personagens enfrentam — culpa, traumas familiares, relações tóxicas, medo de amar — poderiam se passar nos dias de hoje. Isso porque Paula não escreve apenas sobre personagens em vestidos ou fraques. Ela escreve sobre gente. E gente, em qualquer época, sangra do mesmo jeito.
A crítica social também aparece com sutileza, mas firmeza. A autora questiona os papéis impostos às mulheres, o peso da reputação masculina, o poder destrutivo das convenções. Ao colocar Isabel em confronto com um sistema que a silencia, Paula dá voz a tantas mulheres que, em pleno 2025, ainda enfrentam casamentos forçados, chantagens emocionais e desigualdades em nome da “honra”.
Paula Toyneti Benalia: uma autora em amadurecimento criativo
Com uma carreira consolidada no universo do romance, Paula Toyneti Benalia se mostra aqui em sua fase mais madura. Sua escrita equilibra o lirismo das emoções com a crueza dos fatos. Ela sabe dosar diálogos com introspecções, e alternar os pontos de vista de forma que o leitor consiga entrar na pele de ambos os protagonistas.
Seus personagens secundários também brilham em participações pontuais, ajudando a enriquecer o universo narrativo sem jamais desviar o foco da jornada central. Tudo parece calculado — mas sem parecer mecânico. A fluidez é tamanha que o leitor sente que está ouvindo uma história contada à meia-luz, em confidência.
Por que ler “Uma Lua de Amor”?
Porque é uma história que não subestima a inteligência emocional do leitor. Porque apresenta personagens imperfeitos que lutam para não se tornarem amargos. Porque fala sobre culpa, luto, reconstrução, perdão — temas que não têm época, nem moda.
“Uma Lua de Amor” é para quem gosta de romance com verdade. Para quem prefere sentimentos reais a declarações floreadas. Para quem sabe que o amor não é um prêmio que se ganha no final, mas uma escolha que se renova a cada gesto, a cada recuo, a cada coragem de recomeçar.
E, acima de tudo, é um livro que nos lembra de que nenhum coração está irremediavelmente perdido — desde que alguém, mesmo machucado, escolha amar sem condições.