Foto: Edição/ Almanaque Geek

“Eu me senti culpado por todas as novas gerações que cobram do passado sem nunca dar nada em troca.” Você sentiu o peso dessa afirmação? Vem entender o contexto de tudo isso com a nossa resenha sobre “As Gerações”, uma HQ escrita e ilustrada pela quadrinista italiana Flavia Biondi. Publicada em abril deste ano pela Faro Editorial, essa história tem todos os elementos para se tornar uma das mais sensíveis e íntimas que li neste ano.

Com direção editorial brasileira por Pedro Almeida e tradução por Delfin, esta edição é capaz de encantar qualquer pessoa disposta a compreender que o tempo para processar questões da vida não é o mesmo para todos. A obra de Biondi nos apresenta a vida de Matteo, um jovem italiano gay em seus vinte e poucos anos, que é obrigado a retornar à sua cidade natal no interior da Itália, deixando para trás Milão, com os bolsos, o coração e a alma vazios.

Matteo saiu de casa aos 19 anos, após se apaixonar por Massimo e ficar frustrado com a reação nada acolhedora de seu pai ao revelar seu desejo de viajar para conhecer seu primeiro amor. Três anos se passaram desde então, e Matteo, depois de terminar com Massimo, decide não voltar para a casa de um pai que não o aceita. Ele toca a campainha da casa de sua avó e descobre que o plano de ficar um tempo por lá é mais constrangedor do que ele imaginava: todas as suas tias – e uma prima grávida – estão morando com a matriarca. Embora surpresas com sua estadia não anunciada, elas oferecem um sofá para que ele possa dormir. É um plano imediato para um homem sem histórico de planos a longo prazo.

Para Matteo, as duas semanas seguintes se tornam as mais longas de sua vida. Acordar, comer, sentar e deitar no sofá-agora-cama, perceber que a vida de seus amigos em Milão não parou como a dele e que a saudade ainda existe, tudo isso é difícil. Teo, como é chamado pela família, começa a se sentir um fardo para todos naquela casa quando sua Tia B começa a reclamar que ele não faz nada. E é aqui que começamos a ver a história não apenas pelos olhos sofridos, solitários, magoados e egoístas de Matteo.

Ele não lava a louça, não cozinha, não ajuda a avó diabética com limitações motoras, não procura emprego, nem inicia nenhum curso. Além disso, ele nem sequer levanta os pés do chão enquanto sua tia está varrendo. A partir desse ponto, a narrativa nos dá a oportunidade de visualizar como essa situação também é percebida por todos ao redor de Matteo. Descobrimos que a mãe de sua prima foi abandonada pelo namorado enquanto ainda estava grávida e teve que enfrentar olhares críticos ao longo da vida, tanto de conhecidos como de sua mãe. Também descobrimos que a Tia C perdeu seu marido Gigi, por quem era apaixonada, e não consegue mais morar em sua própria casa porque se sente sozinha. A Tia B é carrancuda porque carrega todo o peso da responsabilidade de cuidar de sua mãe doente e da casa. Essas revelações fazem Matteo refletir sobre como também foi difícil para seu pai criá-lo sozinho todos esses anos: “Por vinte anos eu cresci em uma família da qual eu propositalmente tinha ignorado a história. A história daquelas velhas matronas de quem eu era demais indiferente para me importar. Zangado porque elas não apoiaram a minha luta. Quando fui eu quem, antes, ignorei as lutas delas.”

Foi nesse momento que eu fechei a HQ, respirei fundo, peguei minha caneta e meu post-it rosa e escrevi sobre como é egoísta achar que somente VOCÊ precisa travar batalhas diariamente. Que só você tem traumas. Que só você precisa se curar. Que só você precisa de compreensão. Acho que Matteo pensou a mesma coisa nesse momento. Alguma chave virou e mudou as engrenagens dentro dele. Ele começa a cuidar de sua avó, passear com ela, fazer tarefas domésticas e até mesmo sair para conversar e beber com o enfermeiro da avó, Francesco, que o ajuda nesse árduo processo de recomeçar.

É interessante ver como essa mudança o ajuda a compreender que, no ano em que saiu de casa, ele não deu a seu pai a chance de processar todas as informações que, segundo Matteo, ele jogou em cima dele como um adolescente rebelde faria. Nas páginas seguintes, algumas conversas ocorrem como monólogos, enquanto ele deixa “para o pai” algumas mensagens de esperança sobre o reencontro dos dois.

Do meio para o final da história em quadrinhos, muitos outros acontecimentos ocorrem, tornando o leitor cada vez mais certo de que Matteo precisava fazer as escolhas que fez anos atrás para que pudesse amadurecer. Ele entende que enxergar suas próprias batalhas não precisa ser um ato egoísta. Desejar que as pessoas compreendam sua depressão e seus momentos de indecisão também requer um coração compreensivo para com os outros. Além disso, ele finalmente compreende que precisa assumir o controle de sua vida, se enxergar como alguém com desejos e capacidade de tomar decisões e se responsabilizar por elas, sem buscar um culpado. Ele precisa parar de se ver através dos outros e perceber que é mais do que ele pensa que pode ser.

Quando cheguei ao final dessa HQ, ao contrário do vazio que senti nas primeiras páginas, quando pensei que estava prestes a ler apenas mais uma história triste do mundo LGBTQIA+, encontrei um sentimento enorme de esperança. O processo pelo qual Matteo passa para entender a história de cada membro de sua família, para não se ver mais como alguém sem perspectiva de futuro, sempre levado pelo momento, para compreender que cada pessoa tem seu próprio tempo para entender algumas questões e, o mais importante, para se ver como parte de algo maior, algo importante: sua família.

Depois de um evento marcante e da frase “Esquece, é tudo passado” dita por seu pai, seguida de um toque carinhoso nas costas, Matteo entende que tudo o que ele precisava estava ali, mesmo após alguns anos. Mas estava ali. Então, ao observar as paredes da casa de sua avó, repletas de fotografias de toda a família, ele chega a uma conclusão: “Pai. Eu vi a vida. Como uma árvore que brota da terra, eu vi as primeiras folhas, as raízes, os frutos. […] Pois somos a força que brota da terra. Nós somos todas as gerações.” Na página 138, Matteo segura sua mala em frente à porta da casa de seu pai, que está sendo aberta para ele.

Ao ler essa resenha, senti uma conexão com a história e entendi como o protagonista, Matteo, passa por uma jornada de autodescoberta e amadurecimento. É importante reconhecer que todos têm suas batalhas e que compreender e apoiar uns aos outros é essencial. A resenha transmitiu um sentimento de esperança e pertencimento, ressaltando a importância da família e das relações interpessoais.

Recomendo a leitura dessa história, “As Gerações”, escrita e ilustrada por Flavia Biondi, para aqueles que desejam se deliciar com uma narrativa íntima, cuidadosa e familiar, capaz de provocar impacto e reflexão.

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