Foto: Reprodução/ Almanaque Geek

Zerocalcare nunca foi um autor de histórias leves — e ainda bem. Em Esqueça o Meu Nome, sua nova graphic novel, o quadrinista italiano mais vendido da atualidade entrega algo ao mesmo tempo confessional e desconcertante: um mergulho em suas próprias memórias, onde realidade e fantasia se confundem a ponto de o leitor não saber mais onde termina o trauma e começa a invenção.

O ponto de partida é simples — a morte da avó —, mas nada em Zerocalcare é simples de verdade. A perda desencadeia uma avalanche de lembranças, culpas e perguntas que ele nunca quis fazer. O resultado é um retrato honesto e melancólico de um homem tentando entender o que sobrou de si depois que a infância foi embora.

Quando o luto vira labirinto

O autor transforma o luto em um labirinto visual e emocional. Cada quadro parece desenhado com a mão trêmula de quem ainda está tentando processar o que viveu. As linhas são imperfeitas — propositalmente —, e nelas há algo de cru, quase desconfortável. É o tipo de arte que não quer agradar, quer atingir.

A HQ alterna momentos de lembrança real com delírios fantásticos, monstros simbólicos e cenas que beiram o pesadelo. E isso funciona porque o leitor entende: a dor não é linear. O que Zerocalcare faz é materializar o caos interno, transformar a memória em algo palpável — mesmo que isso doa.

A infância como campo de batalha

Há uma ideia forte que atravessa todo o livro: a de que crescer é uma espécie de traição. Ao revisitar o passado, o autor percebe que a inocência não desaparece de repente — ela é arrancada aos poucos, junto com a fé em quem éramos. A avó, nesse contexto, é mais do que uma figura familiar: é o último elo com o que foi puro, antes que o peso da sociedade e da culpa tomasse conta.

E é nessa camada que Zerocalcare mostra maturidade narrativa. Ele não idealiza o passado — expõe suas rachaduras. A casa da avó, os objetos esquecidos, as fotos antigas, tudo serve como espelho de um protagonista que tenta entender de onde veio e, principalmente, por que ainda não sabe para onde vai.

Arte que sangra

Visualmente, o quadrinho é de um vigor impressionante. Zerocalcare domina o contraste entre cores fortes e sombras densas, criando uma atmosfera entre o sonho e o pesadelo. As criaturas que habitam suas páginas não são monstros externos — são os medos, as lembranças e as culpas que ele carrega.

Ainda assim, há beleza na dor. As cores gritam, os traços tremem, mas há uma sensibilidade quase poética em cada quadro. É arte feita de cicatrizes — e, curiosamente, é aí que ela se torna universal.

Um livro que exige entrega

“Entre o que fica e o que vai”, Zerocalcare entrega uma história corajosa, mas que também pode afastar quem espera algo mais “linear”. O ritmo é fragmentado, as transições são abruptas e a mistura entre realidade e delírio exige do leitor mais atenção do que costumeiramente se pede em uma HQ.

Mas talvez seja esse o ponto: a vida também não tem roteiro. E o autor não tenta organizar o caos — apenas desenhá-lo. O resultado é uma obra que incomoda, emociona e, acima de tudo, fica com você depois que termina.

Avaliação geral
Nota do crítico
Esdras Ribeiro
Além de fundador e editor-chefe do Almanaque Geek, Esdras também atua como administrador da agência de marketing digital Almanaque SEO. É graduado em Publicidade pela Estácio e possui formação técnica em Design Gráfico e Webdesign, reunindo experiência nas áreas de comunicação, criação visual e estratégias digitais.
resenha-esqueca-o-meu-nome-e-um-quadrinho-que-transforma-lembranca-em-feridaEm Esqueça o Meu Nome, Zerocalcare transforma o luto, a memória e o amadurecimento em uma experiência gráfica profundamente humana. Misturando fantasia e realidade, o autor revisita o passado após a morte da avó e se depara com verdades familiares que preferia não encarar. Com traços nervosos, cores carregadas e uma narrativa fragmentada, a HQ traduz visualmente a confusão emocional de quem tenta entender de onde veio e o que sobrou de si no processo de crescer.

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