Foto: Reprodução/ Internet

“[…] Umas 23h25 do dia 30, eu suspiro, me encho de energia e realizo aquela tarefa puxadíssima, que consiste em terminar de teclar aquela palavra enorme de oito letras. Como se não bastasse tamanho esforço, ainda tenho que clicar em “enviar” ao final de tudo”.

T.A.T.T.O.O” é a mais nova HQ escrita e ilustrada por André Diniz, lançada pela editora DarkSide, e ela, assim como bater o dedinho na quina do móvel, dói de uma maneira inexplicável. Dói porque a cada página, uma verdade lateja bem na sua cara: gelado, cruel, verdadeiro. A HQ criada pelo carioca nos leva a um nível alto de intimidade com a leitura, quando, sem pensar, você se pega fechando a obra e levando uns dois minutos (ou mais) para processar o que acabou de ler. Porque a depressão, a angústia, os traumas são comuns: ou você tem/já teve ou conhece alguém que lida com ela. Então ler essa HQ sem parar para refletir acerca das coisas mais cotidianas possíveis, é ler e não parar para aproveitar os enormes rebuliços que ela pode te causar.

Nela, o criador dos quadrinhos traz o personagem de Ramsés, tatuador carioca que mora em São Paulo faz algum tempo e que vê nela uma cidade meio cinza, mas que, gosta de morar ali. A construção desse personagem é linear: começa sentindo apatia para as coisas mais simples do dia a dia, estranhamento com algumas coisas que nunca foram estranhas antes e, consequentemente, a obsessão sobre as mesmas coisas. Em um determiando momento, Ramsés começa a prestar mais atenção em como se dá a construção de algumas palavras e isso causa um estranhamento tão inquietante para o leitor. Assim como a obsessão na relação conturbada e muitas vezes violenta que tem com o (ex?)amigo Jupará.

E então, a cada página lida, percebe-se que a situação vai ficando cada vez mais profunda quando a narrativa vai fazendo com que o leitor entenda da forma mais íntima e escancarada possível sobre como a depressão vai tomando conta de uma mente e de um mesmo corpo. A vontade de trabalhar já não existia mais, mas a dúvida acerca do gostar do que faz toma conta, Ramsés nem tem mais a palavra “tattoo” como uma daquelas já inerentes no ser humano. A vontade de sumir e se esconder já é maior que tudo, a confusão sobre os espaços temporais em que está, os sentimentos outraora já resolvidos e que voltam à tona sem saber se são verdadeiros ou não… Tudo é uma completa confusão vazia, quieta, sucumbida.

Até um morador, inquilino da sua própria mente, entrar em cena e o leitor percebe que nada é calmo dentro dele. O jeito como esse personagem o trata, a violência que usa nas palavras, no jeito, a intonação da voz, tudo é tão grotesco e animal. E esse é o jeito que ele fala si, a forma como se vê, os sentimentos que têm consigo. Nessas partes, eu só queria chorar como uma mãe que não consegue sarar o machucado exposto de um filho. É feio, é angustiante.

Momentos nos quais ele tem a consciência do que fazer, mas que não tem o mínimo de força pra executar foram um dos momentos mais difíceis de ser lido. Assim como quando ele ainda não reconhece que está com depressão, dando respostas como “eu não quero pular da janela, então a minha vida está ok” ou “eu não tenho isso (depressão), eu só estou com a cabeça cansada, com o corpo cansado, com a alma cansada. só isso”.

E então o ápice do cansaço chega da forma mais feroz: a violência, a raiva, o rancor aparecem como nunca visto antes. E isso se torna o ponto de partida pra procurar ajuda. Na busca pela melhora, Ramsés tem ao seu lado Betina, sua amiga e sócia na galeria de tatuagem, e tudo começa a ser pelo menos o começo de algo.

Depois, o autor apresenta ao leitor a experiência do que é decidir não mais viver sob o olhar da depressão e esse momento, diferente de tantos “finais finalizes”, é o mais lindro, cruel, verdadeiro e humano que se pode dar a uma história como essa. Ramsés não fica feliz imediatamente depois que inicia o acompanhamento médico, mas inicia o processo de descoberta do que pra ele, no momento, é viável. E não se trata de um processo completamente bonito, mas dolorosamente necessário.

Ao final da leitura, fica a percepção de que a depressão é um mal que chega de fininho, que se acomoda do seu lado e, se não tiver sempre em manutenção, fica pra sempre ali. E que por mais que não seja confortavelmente bonita e fácil de digerir, essa HQ é essencial a todos. Por mais que alguns pensem diferente, não acho que ela seja tão intensa que não dê para ler enquanto está com depressão, mas o contrário, porque tenho certeza que quem está passando por esse momento precise de algo que o represente da forma mais real possível. Que não romantize o processo, mas que mostre que há, sim, uma alternativa. Ha uma chance de se cuidar, de acabar ou de inibir a depressão e tudo que vem com ela.

Obrigada, André Diniz, por ter dado a luz a uma obra que nos fazer recarregar a minha crença de que existe uma vida pós e durante a depressão, quando tratada. Ganhou uma nova fã e vai ganhar muitos outros, porque obras de arte precisam ser exibidas a todos (ainda mais quando é de utilidade pública) e é isso que estou fazendo aqui. Leiam essa HQ, dêm de presente a alguém no Natal, aniversário, dia dos namorados. Apenas façam as pessoas lerem isso. É um pedido carinhoso e empático.

No mais: “(…) seis meses depois, saem de cena os remédios. Aquele azul de photoshop some, dá lugar a um azul mais pálido, mas verdadeiro. Ele é inconsistente como deve ser. Às vezes, volta o cinza. Tem dia que o céu tá escuro, tem dia que tá azul de novo. Esse céu aí sou eu, finalmente. Isso em basta”.

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