
Por trás de uma câmera ou mergulhado em um roteiro, Rodrigo Tardelli não apenas atua — ele se entrega. Conhecido por protagonizar e cocriar a websérie independente “Estranho Jeito de Amar”, sucesso no YouTube com mais de 11 milhões de visualizações, o ator deu rosto e alma a uma história que foge dos lugares-comuns do amor romântico para iluminar feridas que, por muito tempo, foram varridas para debaixo do tapete — especialmente dentro da comunidade LGBTQIAPN+.
Com duas temporadas já lançadas e uma terceira em desenvolvimento, a série tem chamado atenção em festivais internacionais pela forma sensível e corajosa com que trata relacionamentos abusivos, dependência emocional, traumas e identidade. Um mergulho denso e necessário, que nasceu da própria inquietação de Rodrigo com o silenciamento em torno de dinâmicas violentas entre homens gays — algo ainda pouco explorado no audiovisual brasileiro.
Em uma conversa franca e acolhedora, ele fala sobre os bastidores da produção, os desafios de dar vida a uma narrativa tão visceral e o impacto que a série tem causado na vida de quem assiste. Com a voz embargada em alguns momentos e o coração à flor da pele, Rodrigo deixa claro: o “estranho jeito de amar” pode até doer, mas também pode ser o início de uma libertação.

Como surgiu a ideia de criar “Estranho Jeito de Amar”? O que te motivou a contar essa história?
A ideia nasceu de uma inquietação muito verdadeira. Eu sentia falta de ver na tela narrativas LGBTQIAPN+ que abordassem as feridas mais profundas, aquelas que muitos evitam tocar. Estranho Jeito de Amar veio da necessidade de falar sobre as relações abusivas dentro da comunidade gay — um tema ainda pouco debatido e envolto em muito silêncio. Vi pessoas próximas passando por isso e percebi o quanto a arte pode ser um espaço de acolhimento e alerta. Quis transformar essa dor em diálogo, e foi assim que tudo começou.
A série conquistou público dentro e fora do Brasil. Como você explica esse alcance?
Acho que o sucesso está justamente na coragem de mostrar a realidade sem romantização. A gente não vende uma ideia idealizada do amor; mostramos como ele pode ser distorcido pela dependência, pelo controle e pelo medo. Mais do que isso, é uma produção feita com verdade, onde cada ator, cena e palavra do roteiro tem entrega total. As pessoas se veem ali, independente do país ou cultura. Emoção, dor, amor — tudo isso é universal. Quando a história é contada com alma, ela atravessa fronteiras.
Quais foram os maiores desafios durante a produção?
Desafios foram muitos. Fazer uma produção independente no Brasil já é complicado por si só. Agora, realizar uma série LGBTQIAPN+ com essa carga emocional, com cenas intensas, sem o suporte financeiro de grandes patrocinadores e ainda lutar contra os algoritmos das plataformas digitais… é uma batalha diária. Mas isso também é o que me move. Cada “não” que recebíamos só nos fazia entregar ainda mais. O maior desafio talvez tenha sido equilibrar toda essa estrutura enquanto eu atuava, dirigia, produzia e vivia essa história tão densa.
A série aborda temas delicados. Como foi lidar com essa responsabilidade?
Com muita escuta e cuidado. Não escrevemos pensando só em entreter, mas em causar impacto. Tudo foi construído com pesquisa, consultorias e conversas reais. A ideia nunca foi chocar, mas mostrar o que tantas pessoas vivem em silêncio. Eu sabia da responsabilidade de tocar nesses assuntos, principalmente dentro da comunidade, então meu compromisso sempre foi com a verdade e o respeito à dor do outro.
Você esperava a repercussão tão positiva?
Acreditei na força da história, sim, mas a dimensão que ela tomou superou minhas expectativas. No começo, eu só queria que alguém assistisse e dissesse “eu vivi isso” ou “isso me fez enxergar meu relacionamento de outro jeito”. Quando começaram a chegar mensagens assim, de todos os cantos do Brasil e até do exterior, percebi que a série tinha se tornado muito mais que um projeto — virou um espelho para muita gente.
Qual retorno do público mais te marcou até hoje?
O retorno tem sido muito forte. Recebi relatos de pessoas que passaram por situações parecidas e, graças à série, conseguiram se libertar. Também ouvi quem teve dificuldade de assistir até o fim, porque o conteúdo traz muitos gatilhos. O personagem Gael, por exemplo, seduz e prende o público, assim como essas personalidades fazem na vida real, mas também machuca. Muitas pessoas se viram ali, revivendo sentimentos e cicatrizes. É pesado, mas necessário. Quando um trabalho provoca esse tipo de reflexão e abre diálogos que estavam reprimidos, eu entendo que criamos algo que vai muito além do entretenimento — está ecoando dentro das pessoas.
“Estranho Jeito de Amar” abriu portas na sua carreira?
Sem dúvida. Me reconectou profundamente com minha essência artística. Trouxe visibilidade, me levou a festivais internacionais e colocou meu trabalho no radar de pessoas e lugares que antes pareciam distantes. Mas mais que isso, abriu portas internas. Cresci muito fazendo esse projeto, me redescobri como criador, ator e ser humano.
Existem planos para uma nova temporada ou projetos relacionados?
Sim! A série ainda tem muito para contar. Estamos desenvolvendo novos desdobramentos e possibilidades. Claro que tudo depende de estrutura e apoio, mas vontade não falta. O universo de Estranho Jeito de Amar é poderoso demais para acabar por aqui, e o público é quem mais nos inspira a continuar, com seu carinho, perguntas e teorias.
Como você vê o papel da série na representação LGBTQIAPN+ no audiovisual?
A série ocupa um espaço que até então ninguém havia ocupado dessa forma. Falamos de amor, mas também de violência, abuso emocional e traumas. Representar a comunidade não é só mostrar beijo ou finais felizes; é mostrar suas complexidades, suas sombras e feridas. E, ao fazer isso com profundidade, ajudamos o público LGBTQIAPN+ a olhar para si mesmo de maneira mais honesta. Para mim, isso é revolucionário.
O que você aprendeu, pessoal e profissionalmente, com essa experiência?
Que a vulnerabilidade é uma força. Que coragem não é ausência de medo, mas agir apesar dele. Aprendi a confiar na minha intuição e a defender uma história mesmo quando parecia impossível realizá-la. Entendi que o afeto cura, mas também pode adoecer, e reconhecer isso é o primeiro passo para quebrar ciclos. Como artista, aprendi que não precisamos esperar permissão para criar. Quando temos algo urgente a dizer, a arte sempre encontra um caminho.
















