Toque Familiar | A sensível obra-prima sobre memória, velhice e dignidade chega ao Brasil

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O cinema tem o poder de nos conectar com nossas próprias experiências, nossos medos mais íntimos e nossas alegrias silenciosas. Em sua estreia brasileira marcada para 18 de setembro, “Toque Familiar”, longa-metragem de Sarah Friedland, promete exatamente isso: um mergulho visceral na fragilidade humana, nos laços familiares e na complexa relação entre memória e identidade. Vencedor de três prêmios no prestigiado Festival de Veneza em 2024 — Leão do Futuro (Melhor Filme de Estreia), Melhor Direção na seção Orizzonti e Melhor Atriz para Kathleen Chalfant — o filme chega às telas brasileiras com o selo da Imovision, trazendo uma experiência cinematográfica intensa e profundamente tocante.

A obra já havia conquistado público e crítica internacionais. Com 98% de aprovação no Rotten Tomatoes e 88/100 no Metacritic, “Toque Familiar” também foi destaque na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde levou o prêmio de Melhor Filme de Ficção, consolidando-se como um dos filmes mais elogiados e comentados do último ano. Mas mais do que números e troféus, o que torna a experiência de assistir ao filme tão impactante é sua humanidade crua e honesta, que se infiltra em cada cena e cada silêncio.

Uma história que reflete nossa própria humanidade

No centro da história está Ruth, uma mulher que enfrenta os primeiros estágios do Alzheimer e é levada a se mudar para uma casa de repouso. A narrativa se desenrola de maneira sensível, quase poética, explorando não apenas os desafios da memória em declínio, mas também os laços que nos conectam à nossa história pessoal, à nossa família e à nossa própria dignidade.

O filme levanta questões fundamentais: o que resta quando a memória se dissolve? Quem somos quando nossas lembranças, que moldaram nossa identidade, começam a desaparecer? Sarah Friedland não oferece respostas fáceis; ela nos convida a refletir sobre a vulnerabilidade do corpo envelhecido, a complexidade das relações familiares e a beleza que ainda pode ser encontrada em uma vida que se transforma a cada momento.

A diretora que conheceu a realidade de perto

Sarah Friedland, nascida em 1994 nos Estados Unidos, não é apenas cineasta — ela é também coreógrafa e estudiosa de cultura moderna e mídia pela Brown University. Antes de dirigir “Toque Familiar”, trabalhou como assistente de grandes nomes do cinema, como Steve McQueen e Kelly Reichardt, experiências que influenciaram sua sensibilidade narrativa e sua atenção aos detalhes do movimento e da corporalidade.

O longa nasceu de uma experiência pessoal profundamente marcante. A diretora acompanhou sua avó durante os estágios de demência e observou como a família passou a tratá-la no verbo passado, como se já tivesse deixado de existir. Essa percepção sobre a linha tênue entre a pessoa que foi e a que ainda permanece em seu corpo físico tornou-se o ponto de partida para a construção do filme. Para aprofundar sua pesquisa e garantir autenticidade, Friedland trabalhou por três anos como cuidadora, convivendo com idosos em casas de repouso, aprendendo seus hábitos, seus medos e, principalmente, suas formas de comunicação não verbal.

Um dos aspectos mais impressionantes do processo criativo de Friedland foi a decisão de envolver residentes reais em oficinas de cinema, na Villa Gardens, em Pasadena. Esses participantes não apenas atuaram, mas tornaram-se co-criadores, contribuindo para uma narrativa genuína, sem estereótipos, e respeitando integralmente a ética e o consentimento.

Kathleen Chalfant: uma performance que transcende o cinema

Se Sarah Friedland construiu um universo sensível e delicado, Kathleen Chalfant foi a artista escolhida para dar vida à protagonista, Ruth. Com uma carreira icônica no teatro americano, especialmente na Broadway, Chalfant entrega aqui o que muitos críticos consideram sua melhor performance no cinema.

O LA Times descreveu sua atuação como “monumental e profundamente humana”, ressaltando a capacidade da atriz de encarnar múltiplas dimensões de Ruth — mãe, amante, profissional, criança e mulher. Cada gesto, cada olhar e até o silêncio da atriz carregam camadas de emoção que conectam o espectador diretamente com a experiência da personagem. A habilidade de Chalfant em humanizar a velhice e a vulnerabilidade de sua memória transforma a narrativa em um espelho que reflete nossas próprias memórias, perdas e relações familiares.

Um filme que se constrói nos detalhes

O filme não se apoia em efeitos grandiosos ou trilhas sonoras convencionais para emocionar o público. Ao contrário, Friedland optou por uma abordagem sensorial mais intimista, utilizando sons ambientes como a verdadeira trilha sonora. O barulho do ar-condicionado, murmúrios, passos e toques se tornam o score natural do filme, permitindo que o público experimente o universo mental de Ruth de forma imersiva.

Outro elemento que chama atenção é a exploração da sexualidade na velhice. Ao retratar flertes, desejos e relacionamentos afetivos entre idosos, o filme desafia estigmas e tabus. Cenas delicadas, que mesclam ciúme, prazer e vulnerabilidade, humanizam personagens que muitas vezes são invisibilizados na narrativa cinematográfica tradicional. É uma abordagem rara e necessária, que mostra que a vida emocional e sexual não se encerra com a idade ou com o declínio cognitivo.

Um percurso de reconhecimento internacional

Desde sua estreia em Veneza, o longa-metragem percorreu diversos festivais ao redor do mundo, incluindo o New York Film Festival e o AFI Fest, gerando debates significativos sobre a representação da velhice, memória e cuidados com idosos. Nos Estados Unidos, o filme ganhou espaço em veículos de prestígio como The New Yorker, onde discussões sobre ética, cinema e empatia foram amplamente destacadas. Além disso, exibições especiais com bate-papos e workshops tornaram a experiência ainda mais enriquecedora, reforçando a importância do filme como ferramenta de reflexão social.

No Brasil, a expectativa é igualmente alta. A Imovision aposta no longa como um dos destaques de 2025, oferecendo ao público brasileiro a oportunidade de vivenciar uma obra que não apenas entretém, mas provoca empatia e introspecção.

Um filme sobre nós, para nós

Mais do que um relato sobre Alzheimer ou velhice, o drama é uma história sobre humanidade, fragilidade e conexão. Cada cena, cada interação e cada silêncio lembram ao público que, por trás da memória, existe a dignidade de cada indivíduo e a necessidade de relações genuínas.

A abordagem de Friedland — ética, respeitosa e profundamente sensível — transforma o filme em uma experiência quase terapêutica. Ele nos força a pensar sobre como tratamos nossos idosos, como lidamos com perdas e como encontramos beleza e significado mesmo em meio à fragilidade humana.

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