Crítica | O Telefone Preto 2 é uma sequência que supera o original e redefine o terror moderno

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O Telefone Preto 2 retoma a narrativa alguns anos após os eventos do primeiro filme, mergulhando nas consequências psicológicas do sequestro que marcou Finney. Agora mais velho, ele lida com cicatrizes emocionais profundas, enquanto sua irmã Gwen continua a experimentar sonhos premonitórios que se tornam ainda mais intensos e vívidos nesta sequência. A narrativa conduz o público por um labirinto onde realidade e pesadelo se entrelaçam de forma magistral, ampliando a tensão psicológica e elevando o suspense a níveis memoráveis.

Um dos pontos centrais da produção é o aprofundamento do passado de The Grabber, vilão icônico interpretado por Ethan Hawke. O roteiro explora novas camadas do personagem, revelando suas origens e motivações com uma abordagem sombria, quase trágica. Hawke oferece uma atuação magistral, equilibrando presença espectral e obsessão vingativa de maneira perturbadora e magnética. Sua interpretação consolida The Grabber como um antagonista memorável, pronto para figurar entre os vilões mais impactantes do cinema de terror contemporâneo.

As sequências oníricas destacam-se pela criatividade visual e pelo peso narrativo. Cada cena de sonho é cuidadosamente construída, evocando o terror psicológico clássico de obras como A Hora do Pesadelo, mas com linguagem moderna e estética própria. A alternância entre delírio e realidade é conduzida com precisão, fazendo com que o espectador duvide constantemente do que é real, ampliando a sensação de inquietação e imersão.

O desenvolvimento emocional da narrativa também merece destaque. O filme aprofunda a dinâmica familiar de Finney e Gwen, revelando segredos sobre a mãe que acrescentam melancolia e complexidade à história. Essa abordagem humaniza os personagens, conferindo profundidade ao terror e transformando sustos em experiências que provocam identificação e empatia. A tensão não se limita ao medo: ela se entrelaça com sofrimento, memória e trauma, fortalecendo o impacto dramático.

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O terceiro ato é um dos grandes acertos do longa, combinando ação, suspense e resolução catártica. Momentos de tensão e alívio se sucedem com ritmo exato, proporcionando ao público aquela sensação única que define o prazer do gênero: medo e emoção trabalhando em perfeita sincronia.

Além de explorar violência e suspense, O Telefone Preto 2 aborda questões espirituais, como fé e cristianismo, de forma sutil e respeitosa, sem recorrer a clichês. Essa dimensão reforça a dualidade entre bem e mal, trauma e redenção, oferecendo camadas adicionais de interpretação e aumentando a densidade narrativa do filme.

Em resumo, O Telefone Preto 2 é uma sequência rara que supera o original. Com narrativa mais madura, atuações consistentes e domínio técnico sobre o horror, o filme se consolida como uma das obras de terror mais impactantes dos últimos anos. Ele honra o legado do primeiro longa, mas ousa expandir seu universo de maneira criativa, emocionalmente autêntica e visualmente impressionante.

No fim das contas, este é um filme que exemplifica por que o horror continua sendo um dos gêneros mais fascinantes do cinema: ele não apenas assusta, mas provoca emoções profundas. O Telefone Preto 2 faz isso com precisão, maestria e identidade própria, confirmando-se como um exemplo de excelência no cinema de gênero contemporâneo.

Crítica – Thunderbolts* redefine os limites do MCU com abordagem sombria e emocionalmente autêntica

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Thunderbolts representa uma guinada significativa no Universo Cinematográfico da Marvel, surgindo em um momento estratégico em que a franquia busca renovar seu fôlego criativo e reconfigurar seu conjunto de protagonistas. Distante da estética vibrante e do tom leve que caracterizaram fases anteriores da Marvel, o longa aposta em uma abordagem mais sombria, introspectiva e centrada no drama psicológico de personagens até então periféricos ou moralmente ambíguos.

Sob uma direção que privilegia a atmosfera e o desenvolvimento interno das figuras em cena, o filme se apresenta menos como uma aventura de ação e mais como um estudo de personagem coletivo. A narrativa mergulha nas cicatrizes emocionais de indivíduos marcados por traumas, perdas e desilusões, que agora são reunidos em uma missão que exige não apenas habilidades físicas, mas sobretudo uma reconciliação com seus próprios fantasmas. A ação, embora presente e bem executada, assume papel secundário diante da profundidade das temáticas abordadas.

O roteiro, estruturado com precisão, responde a questões pendentes do universo expandido com maturidade e propósito, evitando soluções fáceis ou artificiais. O que poderia se reduzir a uma reunião de anti-heróis em um novo conflito se transforma em uma jornada de autoconhecimento e busca por pertencimento. A obra levanta questionamentos existenciais — “Sou suficiente?”, “Faço mais mal do que bem?”, “Qual é o meu papel no mundo?” — que ganham força por serem tratados com seriedade e sem o filtro do cinismo ou da ironia que muitas vezes permeiam produções do gênero.

Florence Pugh confirma seu talento como uma das intérpretes mais versáteis da nova geração, conferindo complexidade e humanidade à personagem Yelena Belova. Sua atuação é contida, porém carregada de emoção, e sustenta boa parte do peso dramático do enredo. Lewis Pullman, por sua vez, oferece uma performance surpreendente, comedida e sincera, revelando um personagem multifacetado, em constante conflito interno e cuja trajetória serve como espelho para o tom introspectivo do filme.

Do ponto de vista técnico, Thunderbolts talvez não seja a produção mais vistosa ou inovadora da Marvel. Contudo, suas imperfeições — sejam elas estéticas ou estruturais — se convertem em um ativo narrativo, refletindo a natureza fragmentada e disfuncional do grupo central. A proposta aqui não é entregar um espetáculo visual, mas sim um retrato honesto e sensível de figuras em reconstrução.

Ao final, Thunderbolts não apenas amplia as possibilidades narrativas do MCU como também estabelece um novo parâmetro para o tratamento de personagens dentro da franquia. Trata-se de um filme que valoriza a emoção contida, a vulnerabilidade e o realismo emocional, oferecendo ao público uma experiência mais madura e relevante. Se a Marvel pretende evoluir para além do entretenimento escapista, este longa pode muito bem ser o ponto de inflexão necessário.

Resenha — Em Memória é um lembrete de que o amor, às vezes, é o ato mais corajoso em meio à guerra

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Há livros que falam de guerra, e há livros que falam daquilo que a guerra arranca da gente. Em Memória, da escritora britânica Alice Winn, lançado no Brasil pela Astral Cultural, é um desses. À primeira vista, parece mais uma história sobre jovens soldados e trincheiras da Primeira Guerra Mundial — mas logo o leitor percebe que o campo de batalha mais cruel está dentro dos próprios personagens.

Amor em tempos de pólvora

Henry Gaunt e Sidney Ellwood são dois garotos de 17 anos, colegas de um internato britânico, que dividem uma amizade cheia de subtextos e silêncios. Gaunt tenta negar o óbvio: está apaixonado pelo melhor amigo. E Ellwood, com seu jeito sonhador e poético, sente o mesmo — mas num tempo em que amar outro homem era quase uma sentença de exílio.

Quando a guerra começa e Gaunt é pressionado pela mãe a se alistar, ele vê na farda uma espécie de fuga dos próprios sentimentos. Só que o plano dá errado: Ellwood, movido por amor e medo de perdê-lo, segue seu caminho até o front. E é aí que o romance se transforma — não em uma simples história de amor proibido, mas em uma meditação sobre sobrevivência, memória e o preço de ser humano num mundo em colapso.

A dor como testemunha

O mérito de Alice Winn está em equilibrar a brutalidade da guerra com a delicadeza dos sentimentos. Ela escreve com um lirismo que corta — não há nada de romântico nas trincheiras, mas há beleza nos pequenos gestos: uma carta escrita às pressas, um olhar que diz tudo o que a boca não pode.

A autora não poupa o leitor das cenas mais viscerais: corpos mutilados, medo constante, perda de inocência. Mas também não deixa que a narrativa se resuma à tragédia. “Em Memória” é sobre como o amor insiste em existir — mesmo quando o mundo inteiro parece empenhado em destruí-lo.

Uma memória (literalmente) astral

O título brasileiro e o nome da editora formam uma coincidência curiosa: Em Memória, pela Astral Cultural. E, de certa forma, essa soma diz muito sobre o espírito do livro. É uma história que fala de lembrar — não só os mortos da guerra, mas tudo o que foi silenciado pelo medo e pelo preconceito.

Winn cria um universo quase “astral”, no sentido mais poético do termo: o amor entre Gaunt e Ellwood parece pairar acima da lama e do sangue, como uma centelha de humanidade que teima em brilhar.

Entre o épico e o íntimo

Se você gosta de livros que misturam intensidade emocional e contexto histórico, este é daqueles que te desmontam e te fazem pensar. Não é uma história “fácil” — e nem deveria ser. Alice Winn escancara a hipocrisia de uma sociedade que exalta o heroísmo masculino, mas reprime qualquer sinal de sensibilidade.

O relacionamento dos protagonistas nunca é idealizado: há culpa, medo, silêncio e até momentos em que o amor parece mais uma maldição. Mas é justamente essa imperfeição que o torna tão real.

Por que ler?

Porque Em Memória não é só um romance sobre dois rapazes na guerra — é sobre o que resta da gente depois que a guerra (qualquer guerra) acaba. Sobre como a lembrança se transforma em resistência. E sobre como, mesmo nas piores condições possíveis, ainda há espaço para a ternura.

Crítica – Superman de James Gunn recupera a essência do herói com emoção e humanidade

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Após meses de antecipação, teorias e imagens de bastidores que incendiaram as redes sociais, Superman — primeiro capítulo oficial do novo DCU sob a liderança criativa de James Gunn — finalmente chega às telonas com a difícil missão de reintroduzir o herói mais icônico da cultura pop. O filme não reinventa a roda nem estabelece um novo padrão técnico ou estético para o gênero de super-heróis. Mas talvez isso nem fosse necessário. Em vez de buscar grandiosidade ou rupturas, Superman acerta justamente ao olhar para trás com sensibilidade e seguir em frente com o coração.

James Gunn, conhecido por sua estética irreverente e personagens excêntricos, entrega aqui um trabalho mais contido e respeitoso. Ele compreende o que o Superman representa — não apenas como símbolo de poder, mas como arquétipo de esperança, de nobreza moral e de humanidade em tempos sombrios. Sua abordagem não é cínica nem revisionista. Pelo contrário, o diretor opta por uma leitura clássica e idealista do personagem, ainda que ancorada nas ansiedades do presente: desinformação, crises institucionais, tensões geopolíticas e um mundo cada vez mais cético.

Um Superman de carne, osso e compaixão

No papel do novo Clark Kent, David Corenswet se destaca por uma entrega honesta, que foge da grandiloquência tradicional dos super-heróis. Seu Superman é gentil, vulnerável e, sobretudo, movido por empatia. É um homem que sente antes de agir, que se deixa afetar pelas dores do mundo e que, mesmo com todos os poderes, continua buscando seu lugar entre os humanos.

Sua atuação resgata o espírito de Christopher Reeve, mas com um toque mais introspectivo. Não é apenas um herói solar — é alguém que hesita, que se questiona, que erra. E é nesse espaço entre o mito e o homem que o filme encontra sua força emocional mais genuína.

A força simbólica diante do caos

Gunn acerta ao reposicionar o Superman em um contexto mais turbulento e ético. Os obstáculos que Clark enfrenta não são apenas físicos ou intergalácticos — são morais. Como agir diante da complexidade de um mundo que já não acredita em figuras puras ou verdades absolutas? Como ser um símbolo de esperança sem cair no messianismo ou na ingenuidade?

O roteiro evita o didatismo, apostando numa construção equilibrada entre ação, introspecção e dilemas sociais. Ainda assim, não escapa de algumas armadilhas.

Quando o universo se impõe sobre o protagonista

O maior problema de Superman é estrutural: a tentativa de introduzir um leque extenso de personagens e subtramas que acabam diluindo a jornada do protagonista. Presenças como a Mulher-Gavião e o Lanterna Verde — por mais interessantes que sejam em conceito — pouco acrescentam à trama central e funcionam mais como acenos ao futuro do DCU do que como elementos orgânicos do filme.

Essa pulverização narrativa também afeta a relação entre Superman e seu principal antagonista, Lex Luthor. [Nome do ator], em um desempenho contido e gelado, oferece um vilão que funciona em termos de ameaça, mas não em profundidade emocional. A rivalidade entre os dois, que deveria carregar o peso dramático da história, carece de camadas e conflito interno. O embate se torna quase burocrático, o que destoa da densidade emocional construída ao redor do protagonista.

Gunn mais maduro — e mais contido

Para os que esperavam o tom debochado e colorido de Guardiões da Galáxia ou O Esquadrão Suicida, o novo Superman pode soar surpreendentemente sóbrio. James Gunn demonstra aqui uma faceta menos espalhafatosa e mais madura, claramente ciente da responsabilidade simbólica de dirigir um personagem com tanta bagagem cultural e emocional.

Há espaço para humor e leveza — elementos que humanizam o longa sem comprometer seu coração dramático. Mas a grande virtude do filme está na sua modéstia emocional: ao evitar a tentação de fazer do longa uma vitrine para o novo universo compartilhado, Gunn opta por construir algo mais íntimo e centrado.

Veredito

Superman não é um divisor de águas no gênero nem o blockbuster definitivo que alguns talvez esperassem. Mas é, com todas as letras, um acerto. Um filme que entende a alma de seu personagem, que não tem medo de ser sincero em sua mensagem e que valoriza aquilo que tornou o Superman eterno: sua fé inabalável nas pessoas.

Talvez estejamos tão acostumados à ironia, à violência e ao cinismo, que ver um herói agir com genuína compaixão pareça revolucionário. Mas Superman não tenta ser revolucionário — ele só quer nos lembrar que ser bom ainda é uma escolha possível. E necessária.

Crítica | Caramelo transforma um vira-lata em símbolo de redenção e humanidade

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O mais recente sucesso nacional da Netflix, Caramelo, dirigido por Diego Freitas, chega com a aura de um “filme que emociona” — e, de fato, emociona. Mas por trás da superfície acolhedora e das belas paisagens praianas, há uma obra que tenta equilibrar ambição estética, crítica social e um apelo popular que beira o previsível. O resultado é um longa sensível e tecnicamente competente, ainda que, por vezes, excessivamente dependente do afeto fácil.

O enredo gira em torno de Pedro (Rafael Vitti), um chef de cozinha que, ao receber um diagnóstico de saúde inesperado, se vê obrigado a rever suas prioridades. Sua jornada — que parte do concreto sufocante de São Paulo rumo ao litoral — é construída como um espelho emocional: o cinza urbano traduz o colapso interior, enquanto o mar se torna símbolo de renascimento. Essa estrutura visual funciona bem, mas também evidencia certa obviedade simbólica.

Freitas faz da geografia um componente narrativo, e nisso demonstra domínio visual. No entanto, a transição entre os dois mundos — o da culpa e o da cura — é menos orgânica do que o filme gostaria. Em muitos momentos, Caramelo parece mais interessado em “parecer profundo” do que em deixar que suas camadas existenciais se revelem de forma natural.

A força da contenção — e o risco da melancolia excessiva

A direção acerta ao adotar uma estética intimista, com câmera próxima, luz natural e silêncios que sugerem mais do que dizem. Essa escolha confere autenticidade ao drama, especialmente nas cenas que evitam o melodrama explícito. Contudo, a busca por sutileza às vezes resvala no contrário: um ritmo contemplativo que enfraquece a progressão dramática.

Freitas parece admirar o cinema de observação — e, de fato, há ecos de Cuarón e Dolan em suas escolhas formais —, mas o resultado é irregular. O filme brilha quando se contém, mas tropeça quando tenta sublinhar o óbvio: a fragilidade humana e o poder do afeto não precisam ser reiterados em cada gesto ou olhar.

Amendoim: mais símbolo do que personagem

O título e o cão Amendoim, um típico vira-lata caramelo, são o coração e a metáfora do longa. Ele representa o afeto puro, a segunda chance, a simplicidade que salva o homem moderno de si mesmo. É uma leitura válida e emocionalmente eficaz, mas também previsível. O filme trata o animal quase como uma entidade redentora, sem lhe conceder uma verdadeira presença narrativa.

Ainda assim, a relação entre Pedro e Amendoim é o ponto mais genuíno da obra. Há ternura sem pieguice e uma química natural que evita o sentimentalismo barato. O cão, mesmo simbólico, ancora o protagonista em algo real — e é justamente essa troca silenciosa que salva o filme de mergulhar de vez na autoindulgência.

Atuações sólidas, mas roteiro hesitante

Rafael Vitti entrega talvez sua atuação mais madura até aqui, fugindo de gestos fáceis e encontrando no silêncio o peso da transformação. Arianne Botelho e Kelzy Ecard complementam o elenco com presença discreta, mas eficiente. O problema está menos nas performances e mais na condução do texto: há um esforço nítido em criar um cinema “universal”, que fale de amor, perda e reconciliação, mas em alguns trechos o roteiro perde o foco entre o íntimo e o simbólico.

“Caramelo” quer ser poesia visual, mas em certos momentos se aproxima de um manual de autoajuda ilustrado — uma armadilha comum a dramas existenciais recentes. Falta-lhe a coragem de abraçar o desconforto, de explorar com mais contundência o que há de feio e contraditório no processo de cura.

Entre o doce e o amargo

É inegável, contudo, que o filme encontra ressonância no público. Ao alcançar o Top 10 global da Netflix, Caramelo comprova que há espaço para produções brasileiras sensíveis e autorais, ainda que feitas sob o olhar de um streaming que exige apelo universal. É um produto bem acabado, com fotografia belíssima e um discurso emocional acessível — qualidades que explicam sua popularidade, mas que também limitam sua ousadia artística.

Um passo adiante, mas ainda seguro demais

No fim, Caramelo é um filme que fala de humanidade com sinceridade, embora sem arriscar o desconforto que o tema mereceria. É doce, visualmente encantador e conduzido com competência, mas falta-lhe o amargor que tornaria sua reflexão realmente inesquecível.

Diego Freitas demonstra domínio técnico e sensibilidade narrativa — o que já é muito. Mas ao tentar equilibrar arte e apelo popular, o longa acaba preso entre duas intenções: ser um drama universal ou um retrato verdadeiramente humano.

Crítica – Parthenope é um retrato hipnotizante de paixões e liberdade

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A Paris Filmes nos presenteia com Parthenope: Os Amores de Nápoles, um épico feminino habilmente dirigido e roteirizado, que acompanha a protagonista desde seu nascimento, nos anos 1950, até os dias atuais. Entre romances arrebatadores, paixões intensas e desilusões marcantes, o longa traça um panorama emocional complexo, explorando os diferentes vínculos que moldam sua trajetória. A identificação com suas experiências é imediata, tornando a narrativa envolvente e reflexiva.

Parthenope, jovem de beleza magnética, carrega um nome que remete à sereia da mitologia greco-romana, figura lendária associada à fundação de Nápoles e à identidade da cidade. Cercada por personagens transitórios, que se encantam por seu carisma e personalidade cativante, ela vive intensamente, questionando o amor, a liberdade e os anseios que a impulsionam a explorar o mundo.

Mais do que um retrato de relações amorosas, o filme se constrói sobre a essência da liberdade. A busca de Parthenope por experiências e conexões genuínas nos conduz por uma jornada de autodescoberta, onde cada encontro e cada despedida carregam significados profundos. Aos 18 anos, sua ânsia por novidades a leva a embarcar em aventuras que refletem o desejo humano pelo desconhecido.

A direção de Paolo Sorrentino imprime um olhar singular à obra, equilibrando originalidade, diálogos imersivos e uma estética deslumbrante. A fotografia, detalhista e sensível, contribui diretamente para a imersão do espectador nesse universo rico em nuances, onde a complexidade das relações humanas se desdobra de maneira poética.

Místico, provocativo e visualmente exuberante, “Parthenope” se estabelece como uma experiência cinematográfica marcante. Sorrentino traduz a arte em imagens de forma simbólica e refinada, tornando a beleza um dos pilares centrais da narrativa. Entre prazeres, descobertas e o desejo incessante por conhecimento, o filme ressoa como uma ode à vida e ao amor – uma poesia cinematográfica que ecoa muito além dos créditos finais.

Crítica – O Bebê de Rosemary é um terror psicológico que assombra pelas entrelinhas

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O Bebê de Rosemary (1968), dirigido por Roman Polanski, permanece como um dos pilares do horror psicológico justamente por evitar caminhos fáceis. Em vez de apostar em sustos calculados ou no grotesco explícito, o filme constrói seu terror na sugestão – e na manipulação silenciosa do olhar do espectador. Cada cena funciona como um convite à dúvida, à suspeita e ao desconforto. E, à medida que a paranoia de Rosemary cresce, também cresce a nossa, até que o próprio conceito de realidade se torna instável.

A narrativa acompanha Rosemary Woodhouse, jovem recém-instalada com o marido em um edifício antigo de Nova York, impregnado de histórias sinistras e vizinhos invasivos. Quando engravida, o que deveria ser um período de alegria se transforma em um mergulho angustiante. Entre dores inexplicáveis, sonhos que beiram o ritualístico e um controle crescente exercido por aqueles ao redor, Rosemary começa a acreditar que é vítima de uma conspiração. Mas Polanski trabalha deliberadamente a incerteza: tudo pode ser verdade, e nada pode ser verdade.

Esse jogo entre percepção e delírio é sustentado com rigor formal. O apartamento torna-se uma espécie de cárcere sofisticado — ambientes estreitos, portas que nunca se fecham completamente, corredores que parecem absorver o silêncio. A câmera de Polanski explora limitações espaciais de forma opressiva, enquadrando Rosemary frequentemente em posições de fragilidade. O design de som — passos abafados, diálogos cochichados, ruídos domésticos que ganham contornos ameaçadores — potencializa a atmosfera, fazendo com que o cotidiano se converta em palco de inquietação.

O ritmo, aparentemente lento, é calculado e cirúrgico. O horror se infiltra nas conversas triviais, nas visitas inconvenientes, em detalhes quase imperceptíveis. É um terror que não se anuncia, mas se instala. O que não vemos, o que não é explicado, pesa mais do que qualquer imagem explícita poderia transmitir. Polanski entende que o medo nasce daquilo que nos escapa — e usa essa compreensão como ferramenta narrativa primordial.

No entanto, a força do filme não se limita ao suspense. O Bebê de Rosemary articula um comentário contundente sobre controle, violência simbólica e apropriação do corpo feminino. A fronteira entre o sobrenatural e o social se dilui: a opressão vivida por Rosemary, seja ela orquestrada por uma seita satânica ou pelo paternalismo que a cerca, evidencia uma violência estrutural que permanece desconfortavelmente atual. A gravidez se transforma em metáfora para a perda de autonomia — uma mulher cujo corpo é decidido, manipulado e invadido por forças externas, sejam elas humanas ou demoníacas.

Mais de meio século após sua estreia, a obra ainda provoca, inquieta e inspira debates. Seu poder não está em respostas — que Polanski deliberadamente recusa —, mas nas perguntas que lança e nas sensações que desperta. O Bebê de Rosemary continua a ser uma obra-prima justamente porque compreende que o terror mais profundo não reside no que é mostrado, mas no que permanece na penumbra, à espera de ser completado pela imaginação de quem assiste.

Crítica – “Como Treinar o Seu Dragão” é a aventura que conquista mais pelo coração do que pela batalha

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Num vilarejo viking cercado por montanhas, neve e ataques constantes de dragões, Como Treinar o Seu Dragão poderia muito bem ser só mais uma aventura animada cheia de ação. Mas não é. É uma história que surpreende pela delicadeza, pela coragem de ser sensível — e por lembrar que nem toda bravura precisa de uma espada.

O protagonista é Soluço, um garoto que parece ter nascido no lugar errado, na época errada. Frágil aos olhos da comunidade, ele não tem o porte de guerreiro que seu pai, o imponente chefe Stoico, gostaria. Enquanto os outros jovens treinam para matar dragões, ele prefere inventar engenhocas e observar o mundo ao redor com olhos mais curiosos do que combativos.

E é justamente esse olhar que transforma tudo.

Numa noite qualquer, Soluço faz o impensável: derruba um lendário Fúria da Noite. Mas ao encontrar a criatura caída na floresta, em vez de cumprir o papel de herói que tanto esperavam dele, ele escolhe algo raro — e revolucionário: a empatia. E é assim que nasce a amizade com Banguela, o dragão mais carismático que o cinema já nos apresentou.

A conexão entre os dois é construída com uma beleza silenciosa, quase mágica. Sem palavras, sem promessas — só respeito, escuta e curiosidade mútua. A partir dessa relação improvável, o filme propõe algo muito maior do que uma simples história de amizade: uma reflexão sobre o que nos ensinaram a temer, sobre o que significa coragem e, principalmente, sobre quem somos quando deixamos de seguir expectativas para ouvir a própria verdade.

Claro, tudo isso vem embalado por um espetáculo visual deslumbrante. As cenas de voo são de tirar o fôlego, com trilha sonora de John Powell que emociona até o mais cético. Mas o que realmente faz Como Treinar o Seu Dragão alçar voo é sua alma. É o jeito como trata crianças e adultos com o mesmo respeito, oferecendo uma narrativa rica, divertida e profundamente humana.

Astrid, Bocão, Stoico — todos os personagens passam por transformações reais, e o filme nos mostra que crescer não é apenas mudar por fora, mas aprender a ver de um jeito novo. E, às vezes, o mais difícil não é enfrentar um dragão, mas olhar para dentro e admitir que nossos medos nem sempre estão do lado de fora.

No fim das contas, essa não é só uma animação. É um lembrete. De que ser diferente não é fraqueza. De que sentir é um ato de coragem. E de que, às vezes, tudo o que precisamos é soltar as rédeas, subir nas costas de quem confiamos… e voar.

Crítica – Zootopia 2 entrega maturidade narrativa e aprofunda debates sociais com sensibilidade e coragem

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Zootopia 2 chega aos cinemas carregando o peso de suceder uma das animações mais marcantes da última década. O filme original, lançado em 2016, conquistou o público ao combinar humor, aventura e uma crítica social ampla, situando seus personagens em uma metrópole vibrante onde conviviam diversidade e tensão. Agora, a continuação retoma esse universo de forma mais complexa, emocionalmente mais elaborada e disposta a expandir discussões que permanecem urgentes. A nova trama acompanha Judy Hopps e Robert Wilde em um ponto delicado de suas jornadas, revelando como feridas antigas influenciam não apenas o vínculo entre eles, mas a maneira como cada um encara suas convicções mais profundas.

A história ganha novo fôlego com a introdução da influente Família Lynxley, guardiã do Diário de Fundação, peça histórica que preserva a versão oficial das origens da cidade. Quando o artefato é roubado por Gary, uma cobra pertencente a uma espécie historicamente marginalizada após um episódio distorcido e mal interpretado, o filme deixa de lado qualquer expectativa de aventura convencional. O roubo funciona como catalisador para uma investigação maior: uma reflexão sobre memória, apagamento e a forma como versões oficiais moldam identidades coletivas. Nada é apresentado como mera coincidência; cada gesto aponta para feridas abertas e disputas por narrativas que definem quem pertence e quem permanece à margem.

Nibbles, especialista em répteis e relações interespécies, surge para equilibrar o enredo com frescor e profundidade. Sua presença cria conexões onde antes existiam muros, instigando Judy, Robert e o próprio público a enxergar além das tensões superficiais. Mais do que uma coadjuvante, ela funciona como mediadora em um debate sobre convivência e responsabilidade histórica. O grupo formado por Judy, Robert, Gary e Nibbles ressignifica o filme como uma travessia de escuta e reconciliação, destacando que conflitos sociais raramente são fruto de indivíduos isolados, mas sim de estruturas que perpetuam silêncios e desigualdades.

Apesar de lidar com temas densos, Zootopia 2 mantém o humor afiado que caracteriza a franquia. As cenas cômicas surgem no momento certo, oferecendo respiro emocional sem comprometer o impacto do drama. E é justamente no drama que o filme encontra seu núcleo mais pulsante, discutindo ancestralidade, identidades reprimidas, políticas de coexistência e a necessidade de revisar o passado com honestidade. A narrativa não idealiza a história da cidade; pelo contrário, questiona ativamente quem construiu essas memórias e por que algumas vozes foram excluídas.

Ao invés de tentar superar o primeiro filme em grandiosidade, a continuação opta por amadurecer. Reconhece que seu público cresceu e ajusta o tom para acompanhar essa evolução. A obra abraça silêncios, incertezas e recomeços, entendendo que histórias verdadeiras se fortalecem quando enfrentam suas próprias sombras. É um filme que se permite desacelerar para aprofundar, ao invés de acelerar para impressionar.

No desfecho, a continuação se revela não apenas competente, mas necessária. Judy e Robert emergem mais complexos e vulneráveis, enquanto Gary e Nibbles ampliam o escopo emocional e político da trama com novas perspectivas. Zootopia, sempre vibrante, mostra que ainda possui muito a aprender sobre si mesma. A obra reafirma que memórias não devem ser apagadas, mas revisitadas e reconstruídas com responsabilidade. O resultado é um filme que não se limita a continuar uma história, mas a expandi-la com propósito e sensibilidade.

Crítica | Com visual ousado e tensão constante, A Hora do Mal se destaca como o novo terror do ano

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A Hora do Mal é exatamente o tipo de obra que se espera de um diretor em seu segundo longa-metragem: ousada, tecnicamente refinada e mais ambiciosa do que o trabalho anterior. Craig Cregger, conhecido pelo elogiado Barbarian (2022), prova aqui que não é um diretor de uma obra só. Pelo contrário, ele demonstra maturidade narrativa e um domínio estético que evoluem cena após cena, consolidando seu nome entre os novos autores mais promissores do cinema de terror.

Há uma confiança visível em cada quadro. Cregger explora com precisão o ritmo, o movimento e uma linguagem visual mais viva e articulada do que em Barbarian. Seu controle sobre a mise-en-scène impressiona, especialmente nas sequências de ação, que demonstram sua versatilidade. É seguro afirmar: o diretor tem um grande filme de ação dentro de si, apenas esperando o momento certo para emergir.

Uma das grandes curiosidades era observar quais marcas autorais de Barbarian retornariam aqui — e uma delas se destaca de imediato: a obsessão pela estrutura narrativa. O filme é construído como uma montanha-russa emocional, conduzindo o público por curvas inesperadas com precisão quase cirúrgica. O diretor sabe exatamente quando acelerar, quando pausar e quando permitir que o espectador reorganize as peças desse quebra-cabeça psicológico antes do próximo impacto. Essa fluidez narrativa é um dos principais trunfos do filme: nada é gratuito, nenhuma cena é desperdiçada. Tudo contribui para manter a tensão em ebulição.

O sentimento de inquietação é constante. Mesmo nas passagens aparentemente calmas, há algo estranho no ar — uma tensão subjacente que jamais se dissipa por completo. A trilha sonora desempenha um papel fundamental nesse processo: é hipnótica, intensa e cuidadosamente escolhida para reforçar o clima de constante ameaça. O som não apenas acompanha, mas amplifica a experiência sensorial do público.

Outro elemento digno de destaque é a habilidade de Cregger em manipular tom e ritmo. Ele transita com naturalidade entre o terror psicológico, o suspense atmosférico e explosões de violência gráfica, sempre mantendo a coesão da narrativa. Um feito notável para qualquer cineasta, ainda mais para um nome em ascensão. O humor também está presente, mas jamais de forma forçada ou deslocada — surge pontualmente, quebrando a tensão em momentos estratégicos, sem comprometer a atmosfera opressiva do enredo.

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Contrastes e críticas sociais

Assim como em Barbarian, Cregger demonstra interesse em explorar contrastes sociais e visuais. A ambientação em uma zona suburbana de classe média alta, aparentemente tranquila e segura, entra em choque com a brutalidade escondida por trás de portas comuns. É um retrato perturbador da banalização do mal — da ideia de que a violência pode se ocultar nos lugares e nas pessoas mais improváveis. Quando essa crítica é direcionada ao universo juvenil e ao ambiente escolar, ela se torna ainda mais incômoda e pertinente.

Visualmente, o filme é um espetáculo. Os enquadramentos dinâmicos, os movimentos ousados de câmera e a fotografia pulsante criam uma linguagem cinematográfica cheia de energia. Há sequências coreografadas com precisão quase balética, misturando horror e beleza de forma visceral. Em um gênero onde a estética muitas vezes é tratada como um detalhe secundário, o cuidado visual de A Hora do Mal se destaca com folga.

Terror épico, mas sem perder a essência

No geral, o longa-metragem é tudo o que se espera de um blockbuster de terror — e a palavra “blockbuster” aqui é usada com intenção. Embora a história se desenrole em uma cidade pequena, a escala narrativa é grandiosa. É um filme épico, ambicioso, maior e mais ousado do que Barbarian, sem nunca abandonar a essência do horror intimista. A tensão é constante, os sustos são genuínos, e há espaço para emoção e surpresa.

O elenco contribui de forma decisiva para o êxito do longa. As performances são intensas, emocionalmente carregadas e ajudam a ancorar a trama em sentimentos reais, mesmo diante dos elementos mais fantásticos. As cenas de ação são coreografadas com uma precisão admirável, demonstrando não só técnica, mas também um olhar artístico refinado.

Mais do que assustador, A Hora do Mal é imprevisível. É quase impossível antecipar seus rumos narrativos — e essa imprevisibilidade é uma de suas maiores virtudes. Em um mercado saturado por fórmulas repetitivas, onde muitos filmes de terror se limitam a reproduzir convenções batidas, Craig Cregger entrega uma obra original, corajosa e impactante.

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